sábado, março 09, 2013

Pune - Diário de Bordo - Dia 16

Acordei mais cedo do que precisava, mas depois de um sono bem dormido e recuperador do dia anterior (estava a precisar). Fiz tudo calmamente e de forma descontraída, e deixei-me ser mimado pelos funcionários do hotel durante o pequeno almoço, que sabendo da minha partida me resolveram presentear com umas panquecas cheias de coisas boas como chocolate, banana, mel, açúcar em pó, doce de frutos silvestres e chantili. Depois da frutinha do costume e de me lambuzar todo com esta bomba calórica, estava pronto para enfrentar a minha manhã, combinada de véspera com o prestável Sayant. O interesse e antecipação só não era maior porque devo ser o único português no mundo que não sabe regatear, talvez porque o meu nível de paciência para fazer compras é muito reduzido. Ainda assim, achei que passadas duas semanas, era altura de sair mais uma vez da minha zona de conforto e meter mãos à obra.

Já com os meus objectivos mais ou menos traçados, lá deixei o hotel (desta vez sem ser de tuctuc) com o Sayant, em direcção à MG Road (não me recordo se já expliquei anteriormente que MG se refere a Mahatma Gandhi). Antes de nos dirigirmos ao nosso destino, e tal como tinha dito no dia anterior, fez questão de me levar a sua casa, onde vive com a mãe, o irmão, a esposa e os seus dois filhos. Foi emocionante ver uma família inteira receber na sua casa um perfeito desconhecido, com alguns dos maiores sorrisos que já vi. Os filhos dele pareciam estar cheios de curiosidade em observar aquela estranha criatura (eu) que ali estava à sua frente, e não deixaram de esboçar um sorriso durante o tempo todo que ali permaneci. Explicou-me que a casa onde mora é um anexo de uma casa principal construída pelos ingleses durante a sua ocupação, da qual toma conta para o seu proprietário que só visita o país uma vez por ano. Percebi que acumula vários trabalhos, uma vez que segundo me explicou, o seu salário mensal como condutor são cerca de 6000 rupias (não chega a 100 euros). Ainda não tinha acabado de perguntar se podia tirar uma fotografia com ele e com a família e já tinha reunido a maioria do clã no quintal, para que eu pudesse guardar esta recordação.

De volta à estrada, pelo caminho cometi o único erro do dia. O Sayant parou numa loja onde me deixou sozinho por alguns minutos, enquanto foi estacionar o carro, e eu comecei logo a comprar algumas coisas. Saí da loja muito contente porque tinha regateado e conseguido baixar o preço inicial quase para metade, mas ele explicou-me que o objectivo era só eu ver os preços para ter uma base de negociação nas lojas onde realmente devia fazer as compras, sendo que ali era tudo mais caro. O meu orgulho nos "belos" negócios que tinha feito transformou-se de imediato em frustração, e senti-me muito estúpido por ter gasto dinheiro desnecessariamente. O resto da manhã correu no entanto de melhor feição, e consegui fazer alguns bons negócios. Os tamanhos de roupa foram realmente um problema, ou porque não existia muita variedade (ex.: dois tamanhos apenas, para pessoas normais e gordas), ou porque as medidas não batem certo (ex.: a roupa de uma criança de 3 anos de aqui, devia servir ao meu filho quando ele tinha 1 ou 2...). Ter ido previamente tirar as medidas à mulher do Sayant também não ajudou... Enfim, se for necessário algum trabalho posterior de costura, seja! Em nenhum dos sítios onde fui, felizmente, foram muito chatos, pelo que consegui manter a minha paciência e tranquilidade até ao fim e creio ter comprado tudo o que queria (e algumas coisas que não queria). Senti-me no entanto um pouco desconfortável, porque o Sayant andou comigo pelas ruas durante toda a manhã, vestido de uniforme, não me deixando carregar nenhum saco das minhas compras, o que me fez sentir um bocado "colonialista". Ainda assim, só lhe tenho a agradecer, uma vez que fez muito mais do que era a sua obrigação.

Já de volta ao hotel, despedi-me do Sayant dando-lhe o que considerei ser uma boa gratificação. Agradeceu-me e partiu, uma vez que o chefe já o tinha convocado para ir até Mumbai (ou Bombaim) durante a tarde. Mais tarde respondeu a uma SMS que lhe enviei como agradecimento, da seguinte forma: "sir thanx a lot u appreciate my service i will be greatfull to serve u better n its my pleasure sir once again thanx for ur appreciation. thank you verymuch sir". Entrei no hotel, e depois de descarregar a tralha no quarto, fui almoçar à beira da piscina, gozando por uma última vez o calor seco que aqui se sente e a frescura de da sombra na esplanada. Vários funcionários fizeram questão de se vir despedir de mim, e um deles - Rahul - que já me contactou no Facebook, pediu para tirarmos uma fotografia juntos. Assim fiz, com a promessa que a publicarei e manteremos contacto durante a aventura que ele próprio vai seguir, uma vez que está a acabar o seu mestrado e daqui a um mês ou dois vai trabalhar para a Nova Zelândia, em busca de melhores condições de vida. Foi a pessoa que me deu as dicas mais úteis enquanto estive por aqui, e que mais se esforçou para que a minha experiência gastronómica local durante os jantares fosse positiva. No final quando pedi a conta, explicou-me que era por conta do hotel. Agradeci, e fui até ao meu quarto, para começar a fazer a minha mala.

Depois da mala feita e após algum descanso e leitura, fui malhar um bocadinho para ir mais "macio" para casa. Quando saí do ginásio vi que o sol se estava quase a por, então tomei uma banhoca rápida e fui apreciar pela última vez a vista privilegiada do por-do-sol em Pune, com as muitas águias a rasar literalmente a minha cabeça, e com uma Kingfisher bem fresquinha à minha frente. Assim que entrei no "lounge", tive uma recepção quase em coro de todos os funcionários "Hey! Mr. Marco!". Troquei uns dedos de conversa, bebi a minha cerveja acompanhada dos aperitivos (extremamente) picantes e prometi voltar mais tarde para me despedir (e eventualmente beber outra Kingfisher), o que fazer agora mesmo que terminei de jantar. Vou depois descansar mais um bocado durante os momentos que antecedem uma penosa viagem de um total de cerca de 15 horas, com paragem em Bucareste e Frankfurt, antes de chegar a casa. O meu próximo post já será feito a partir de Portugal. Espero que aqueles que por aqui foram acompanhando a minha pequena aventura tenham conseguido viver um bocadinho que seja do que eu próprio vivi por cá. Já terá certamente valido a pena perderem alguns minutos a ler as baboseiras que fui escrevendo. Beijinhos, abraços, e até ao meu regresso!

5 comentários:

ACCM disse...

Não há dúvida que, para além do enriquecimento cultural que esta viagem possa ter-te proporcionado, criaste amizades, o que é outra riqueza, que não está ao alcance de toda a gente. Também através dos teus dotes de observação e de escrita, proporcionaste-nos a nós teus leitores momentos de interesse e de boa disposição.
Da minha parte obrigado.
Até amanhã
beijinhos
Pai

mcaa disse...

Morro de saudades do meu filhote, mas vou ter saudades desta leitura diária que me levou a viver tambem um pouco as tuas aventuras nesse paìs tão distante.
Beijinhos e atá amanhã
Mãe

ACCM disse...

Então e agora?
Devia haver pelo menos mais um post à laia de conclusão, com as peripécias da viagem, com as impressões do regresso, etc.
E já agora com a foto do "TUC-TUC" que troxeste, que é para ficar para a posteridade.
Beijinhos
Pai

Gonçalo disse...

...ena my friend, mas que grande aventura, será que vais voltar com um pinta na testa? aquele abraço!

Marco disse...

accm: ainda bem, era esse também o meu objectivo!

mcaa: fico feliz por saber que "viajaste" comigo!

accm: o que referes já está feito!

gonçalo: aventura é o termo certo! não voltei com pinta na testa... mas fiquei a saber que significa uma ida recente ao templo (o que não sabia anteriormente).