quarta-feira, dezembro 30, 2020

O Balanço Positivo de Um Ano Negativo?

A maioria das pessoas descreverá o ano de 2020 como um ano negativo, miserável, o pior de sempre até. Como em tantas outras coisas, gosto de me condicionar a ver os aspetos mais positivos e evito deixar-me arrastar pela negatividade dos outros. E no meu caso em particular, face ao contexto, é algo que nem sequer me é difícil fazer.

Avaliadas todas as condicionantes que nos foram impostas pela falta de liberdade a que nos vetaram a todos, com a desculpa do "ano da COVID", de facto nem tudo foi mau para mim. A começar, porque sinto uma gratidão enorme por fazer parte dos priveligiados, que não viram a sua vida profissional (e consequentemente financeira) afetada pelo "ano da COVID". Não só não perdi o meu trabalho e o meu ordenado, como em certa medida consegui melhorar a minha qualidade de vida, aproveitando e gerindo melhor o meu tempo ao trabalhar a partir de casa, aumentando a qualidade do meu trabalho e otimizando o tempo disponível para a minha família. Poupei mais dinheiro do que alguma vez conseguiria ter feito num ano dito normal. Até deu para trocar de mota durante este período!

Tive projetos profissionais desafiantes que resultaram da nova realidade do confinamento em massa da população, que com muito sangue, suor e lágrimas viram a luz do dia e foram um sucesso. Consegui ser um facilitador (ainda que não tanto quanto queria) do processo de aprendizagem em casa dos meus filhos e acompanhei um regresso seguro e com sucesso deles às aulas quando as escolas reabriram. Consegui manter a minha saúde e a prática física e desportiva (também com os meus filhos) durante todo o ano.

Após um confinamento inicial mais forçado e radical, entretanto decidi (e consegui) desconfinar com um núcleo mais restrito de pessoas, o que me permitiu manter a minha sanidade mental e ao mesmo tempo valorizar ainda mais as relações interpessoais. Tenho também a felicidade de dizer que (salvo uma exceção especial) não perdi até ao momento ninguém que me fosse próximo, e por essa segurança dos que me são mais queridos, também me sinto grato.

Festejei dias festivos, aniversários e até um Natal em família. Fiz algumas viagens de mota, almocei e jantei em bons restaurantes, celebrei acontecimentos e no final posso dizer que fui feliz. Poderia haver outros fatores a contribuir para essa felicidade? Sem dúvida. Mas isso não torna este ano diferente de qualquer outro! Para mim, o segredo é não sobrevalorizar o que não foi, o que não aconteceu... e ao contrário valorizar ainda mais (e agradecer por) tudo o resto. Experimentem, vão ver que funciona.

domingo, dezembro 20, 2020

A Abominável Estupidez de Quem nos Governa

Uma coisa é sermos todos vítimas da ditadura covidiana há quase um ano, com a imposição sucessiva de pacotes de medidas irracionais que parecem um teste à resistência humana para tolerar a restrição da nossa liberdade pelo ridículo. Outra coisa é fazer chacota disso, com conferências de imprensa que mais parecem um sketch dos Monty Python, mas de mau gosto... E não me parece que seja exagero, senão vejamos a sugestão de celebrar o Natal, não com uma ceia ou com um almoço em família, mas sim com um pequeno almoço, em que familiares partilham momentaneamente o espaço do patamar da escada ou (se tiverem sorte) do quintal, para fazerem uma breve troca de presentes à base de compotas caseiras fabricadas pelos próprios.


Não chega já o tempo de antena que foi dado à propaganda de desinformação e que dura há quase um ano, principamente veiculada pela DGS, nas personalidades de uma ministra que não o sabe ser, de uma avózinha que vai à horta dos amigos e mesmo assim apanha COVID, e agora por fim do sósia envelhecido do Rei D. Carlos que é viciado em compota? Teremos mesmo de ser obrigados a sobreviver a esta pandemia, ao som irritante destas personalidades que surgem sabe-se lá debaixo de que pedra, e cujo desempenho de funções é um desafio à lógica e uma afronta a quem leva a cabo um trabalho honesto no seu dia a dia por uma mera fração daquilo que estas pessoas recebem para virem a público debitar tamanhas barbaridades? Não sobrará uma réstia de vergonha a quem nos (des)governa dirariamente, para perceber que, além de tudo o resto, não vale a pena achincalhar por cima? É que esta história de sermos um povo de brandos costumes, deveria ter limites, ainda que aparentemente e pelo que se tem constatado, não terá... ser brando não é necessariamente ser manso.

terça-feira, dezembro 08, 2020

8 de Dezembro de 2016

Foi há 4 anos que não cheguei a tempo de dizer adeus... mas a verdade é que nunca me quis despedir de ti. Algumas pessoas que vi partir, talvez por esta simples relutância de aceitar que já não estão aqui ou por um nível de espiritualidade qualquer que não sei bem descrever, sinto que se mantém de alguma forma por cá, na nossa vida. Tu és uma delas. Dou por mim a pensar de vez em quando o que pensarias se me visses fazer isto ou aquilo, se sentirias orgulho, felicidade... o que pensarias dos teus bisnetos e das suas surpreendentes ações e reações. Acho que serias feliz e isso faz de mim feliz também. E é essa felicidade que se sobrepõe a alguma tristeza e a uma saudade indescritível que perdura por mais que os anos passem. Quando as coisas resultam assim, é sinal de que fizemos algo de bom na nossa vida, e esse sem dúvida foi o teu caso. Um beijinho muito grande para ti, Avó, de onde quer que estejas a ver e a assistir a todas coisas boas e também algumas trapalhadas que andamos a fazer por aqui...


quarta-feira, dezembro 02, 2020

Rituais e Ressacas

Um amigo meu costuma dizer que vale mais um mau dia de férias do que um bom dia de trabalho. Andar de mota, para mim, é mais ou menos assim. Se tivesse que adaptar esta frase, poderia ser algo como "vale mais uma ida ao pão de mota, do que uma longa viagem de carro"...


Nos dias que correm passei de uma rotina que incluía percorrer um mínimo de cerca de meia centena de quilómetros por dia para umas escassas voltinhas ocasionais, a solo ou acompanhado, que me permitem desanuviar e tirar a barriga de misérias. Enquanto motociclista sinto-me a passar por uma espécie de "ressaca" prolongada que teima em não melhorar e dou por mim a salivar por uma voltinha maior ao fim-de-semana, enquanto invento desculpas durante a semana para vestir o equipamento e sair com qualquer uma das minhas meninas, que olham para mim como que em súplica sempre que abro o portão da garagem.

Esta escassez faz-me saborear mais intensamente tudo o que diz respeito ao ritual de sair, rolar uns quilómetros e voltar a casa com uma das minhas motas. Desde enfiar o capacete, calçar as luvas que parece que já conhecem a forma das minhas mãos, vestir o meu casaco de inverno meio coçado, até àquele instante em que finalmente dou ao "start". Seja a ouvir o cantar rouco da jovem alemã ao sussurro grave da madura japonesa, o que vem a seguir é sempre música para os meus ouvidos. Assim que piso o alcatrão e enrolo punho num suave crescendo, abre-se todo um mundo à minha frente, no qual me apetece perder em cada cruzamento para percorrer novos caminhos a descobrir ou redescobrir caminhos já percorridos.

Os quilómetros vão passando e começo a sentir o coração a bater no ritmo a que deve bater... o corpo a ganhar mobilidade... a "desenferrujar"... a adaptar-se a cada curva que se faz e desfaz, a entender as leis da física que nos permitem mover daquela forma e a desafiá-las de quando em vez naquele grau extra para ver até onde se consegue ir. Com um bocado de sorte, podemos apreciar o que se passa à nossa volta e que, numa viagem de mota, acaba sempre por nos envolver de forma diferente daquela que experimentaríamos noutro tipo de viagem qualquer. Seja num ritmo animado numa serra de curvas sem fim, seja num rolar constante naquela reta junto ao mar, seja na agitação do burburinho das ruas de uma cidade... Todo o caminho pode dar gozo percorrer, se for percorrido com prazer.

Até o cansaço que resulta de andar numa mota é diferente de tudo o resto que habitualmente experimentamos e acaba por nos fazer sentir bem, sentir realizados, quase que orgulhosos do que acabámos de fazer, quando conseguimos apreciar uma espécie de "descanso do guerreiro" após um dia inteiro ou apenas um par de horas a andar sobre duas rodas. E à semelhança de como tudo começa, também quando acaba se saboreia o ritual... retirar o capacete... descalçar as luvas que já parecem uma segunda pele nas nossas mãos... despir o casaco que nos envolveu e protegeu e por fim o silêncio do desligar de um motor. A seguir, à volta daquele motor ainda quente mas agora em silêncio, tudo se contrai e arrefece, como que num adormecer coletivo de uma combinação de peças mecânicas que juntas adquirem uma essência diferente, uma espécie de alma que a cada volta se vai entranhando em nós.

No final, apago a luz da garagem e fico a pensar no próximo momento em que teremos a oportunidade de repetir o que acabámos de fazer. Enquanto desço o portão olho mais uma vez para as minhas meninas e despeço-me com um "até amanhã", esperando que o amanhã me dê essa oportunidade. Caramba... gosto mesmo de andar de mota.

terça-feira, dezembro 01, 2020

Resumo de 4 Meses...

4 meses sem escrever, e na realidade muito pouco aconteceu. 

Pandemia: o medo generalizado continua a ser instigado à população por um governo sem norte e meios de comunicação sofríveis que na maioria do tempo atuam como agente disseminador da propaganda desse governo; pessoas têm adoecido... pessoas têm morrido... pessoas têm recuperado; a economia do país afunda-se de forma irreversível a cada dia que passa; o sentimento depressivo instalou-se em grande parte da população, o sentimento anarquista instalou-se noutra grande parte da população (ainda que uma anarquia branda e mansa que as faz mais pela calada), e apenas uma franja muito curta consegue viver num ponto de equilíbrio em que não se deixa tomar pela depressão e (ainda) não decidiu partir tudo à sua volta. Considero que faço parte deste grupo.

Trabalho: enquanto para alguns, o drama do impacto no trabalho e na economia que a COVID trouxe, parece ainda algo inultrapassável, para outros houve a consciencialização de que existem formas diferentes de fazer as coisas, que temos formas de nos adaptar para minimizar esse impacto. Considero também que faço parte dos sortudos que se encaixam neste cenário pelo que por aí nada tenho a dizer, a não ser que estou honestamente grato por não ter para já preocupações que me tirem o sono.

Família: se por um lado tenho limitado o meu contacto com parte da família a telefonemas e videochamadas, por outro tenho conseguido conviver com outra parte e minimizado o sentimento de afastamento. No contexto familiar, mais por uma questão de consciência e respeito para com os outros, não tenho estado próximo de todos tanto quanto gostaria. As saudades são mais que muitas e o sentimento de estar a desperdiçar tempo que é escasso, de forma indefinida e sem fim à vista, causa-me algum transtorno. Tento manter a crença que dentro de algum tempo (a mal ou a bem) as restrições que causam este afastamento possam vir a ser alteradas. Sei que a crença não é muito fundamentada, mas a bem da minha sanidade mental, mantenho-a. Também a favor da minha sanidade mental tenho um trunfo imbatível: as três pessoas que tenho cá em casa e que contribuem para que o que referi anteriormente tenha um peso tão grande como poderia ter, no meu dia-a-dia.

Saúde: sinto que o facto de estar mais tempo em casa não contribui de forma muito positiva para a minha saúde. As condições que tenho para trabalhar são sofríveis, ao ponto de me terem já causado alguns problemas físicos. Entretanto com pequenas melhorias consegui evitar alguns estragos que estava a provocar a mim próprio. Tenho também a felicidade de ter as artes marciais na minha vida e na vida dos meus filhos, que também contribuem de forma positiva para não me transformar num badocha sedentário que passa a vida sentado em frente ao computador. Sinto ainda assim que não tenho cuidado de mim da forma que gostaria, pelo que urge fazer algo mais...

Diversão: uma das coisas que mais prazer me dá e que deixei de fazer numa base diária é andar de mota. Ainda assim tenho conseguido gerir umas voltinhas ocasionais que me permitem desanuviar um pouco. No meio disto tudo acabei por me presentear com um "brinquedo" novo, que me fez despedir da minha companheira de 5 anos e milhares de kms feitos em conjunto...

Em suma e jeito de balanço destes 4 meses: nada de extraordinário aconteceu, mas creio que esta é uma daquelas circunstâncias em que "no news is good news", e a ausência de notícias negativas é por si só um motivo de celebração. Vem aí o Natal, e este é sem dúvida um ano em que podemos e devemos revelar o melhor de nós, ser solidários, e é isso que tenciono fazer. Será a melhor forma de viver a fase final de um ano atípico e começar um ano em que nos cabe a todos fazer dele algo melhor.

sábado, agosto 01, 2020

No Country for Old Men

O filme com o título "No Country for Old Men" ("Este País Não é Para Idosos"), pouco ou nada tem a ver com a situação que aqui pretendo comentar, mas o que diz o título surge-me sempre no pensamento quando penso nas situações sociais mais dramáticas resultantes da COVID-19. É de facto aquilo que me preocupa mais, que mais me tira o sono e que mais sentimento de culpa me dá, quando penso nisso. Mais até que o receio de ser infetado. A ideia de que vivemos num país e numa sociedade que claramente não foi feita para os nossos velhinhos, para aqueles que tomaram conta de nós em determinado momento da sua vida, e dos quais cada vez somos menos capazes de tomar conta quando chegam a idades mais avançadas.

Nunca me esqueço do comentário que um antigo chefe meu que muito prezo fez, no dia em que a minha falecida avó foi vítima de um AVC. Liguei-lhe a avisar que naquela segunda-feira não poderia ir trabalhar porque havia assuntos a tratar, pensar num sítio onde pudessem tomar conta dela, etc., e ao explicar a situação, a resposta incluiu algo como "cada vez somos menos capazes de cuidar dos nossos...".

A frase não foi feita em tom de crítica, até porque na sua vida pessoal tinha uma situação semelhante com que lidar, mas sim em tom de constatação. É uma realidade. Antigamente os pais cuidavam dos filhos e dos netos, para mais tarde os filhos e os netos tomarem conta deles. Hoje a vida não permite que tal aconteça com a mesma naturalidade. A vida profissional e os hábitos pessoais prolongam uma vida "ativa" que impede que na altura em que os mais velhos precisam de nós, não possamos lá estar para deles cuidar. E então procuram-se alternativas com um custo (mais que o monetário) pessoal.

A COVID-19 veio evidenciar isto mesmo. Temos dezenas senão milhares de velhinhos que por esse país fora, se encontram reclusos de instituições. O medo tomou posse e não existe nenhum lar de idosos que contemple, num futuro próximo, permitir visitas ou saídas dos seus "utentes". Isto na prática significa que pessoas com 80, 90 anos, tenham que lidar com o facto de estar o próximo ano, quem sabe até mais, com a sua vida em suspenso, até poderem contactar normalmene com as suas famílias. Decerto que esta perspetiva vai matar tanto ou mais que aqueles que tenham a infelicidade de ser infetados pela COVID-19. Até porque nestas instituições, se existe a infelicidade de surgir alguém infetado, a tragédia é simplesmente monumental (à data de hoje cerca de metade das fatalidades da COVID-19 em Portugal resultaram de surtos em lares).

Gostava de acreditar que muito em breve possa surgir uma solução, mais do que para erradicar o vírus (o que tenho quase a certeza dificilmente virá a acontecer) para nos ensinar a viver com ele, e que com esse ensinamento, possamos ter os nossos velhinhos de volta para poderem gozar o que lhes resta da vida de uma forma condigna e minimamente feliz. Até lá, é esperar que não seja preciso lidar com a tristeza de eles partirem no meio desta vida suspensa...

segunda-feira, julho 20, 2020

Passeio Geométrico - Dia 4/4

O quarto e último dia de viagem seria o que nos iria levar de volta a casa, a partir de Vila Real de Santo António. A ideia era manter o princípio de evitar autoestradas, pelo que o caminho seria feito maioritariamente por estradas nacionais e algumas municipais. O plano inicial era fazer a travessia de ferry já próximo do final, em Setúbal, mas acabaríamos por abandonar essa ideia, aproveitando assim para fazer mais uns quilómetros e incluir uma passagem pela Arrábida em tom de despedida.

Após um sono recuperador no extraordinário alojamento onde pernoitámos, acordámos para descobrir que tínhamos o nosso equipamento infestado de formigas que durante a noite resolveram fazer uma invasão silenciosa. O pequeno almoço que tomámos na padaria que tínhamos mesmo à porta, com uma bela padeirinha (dona de um belo padeiro) a servir, serviu para nos livrarmos de boa parte das formigas que ocuparam o forro dos nossos capacetes, sendo que só a meio da manhã nos livrariamos totalmente da bicharada. Portanto, Vila Real, eu te batizo "terra de melgas e de formigas".

Depois de uns desinteressantes quilómetros na N125 em passo de caracol, e uma breve paragem em São Brás de Alportel, finalmente chegámos ao único troço de jeito da nossa manhã: cerca de 60 quilómetros na N2 em plena Serra do Caldeirão. Paragem no quilómetro da besta (666) para o registo fotográfico que se impunha. E o calor continuava a fazer-se sentir (e bem).

Percorrida a Serra do Caldeirão a bom ritmo, o Pedro fez questão de me tentar iniciar na prática do registo fotográfico das abrasadelas na borracha dos pneus, mas sem grande sucesso. O pneu da F estava assim.

A paragem para hidratação (já mais que necessária) em Almodôvar, onde um companheiro de duas rodas com não menos que uns 80 anos de idade aparcou junto a nós, enquanto mandávamos abaixo umas minis mais que merecidas. Respeito pelo senhor!

Tempo de seguir viagem. O plano era pararmos antes de chegar à costa vicentina, para almoço. Apontámos o Cercal como o nosso objetivo, e lá fomos andando. As lindas retas do Alentejo são propícias a esquecermo-nos dos limites de velocidade, fato do qual nos lembrámos quando passámos "ligeiros" por um GNR na beira da estrada, que olhou para nós com um soslaio tipicamente alentejano e não pensou nisso uma segunda vez.

Chegados ao Cercal, o calor raiava o limite do suportável. Soube-me pela vida um aspersor mal direcionado numa rotunda, que me deu uma leve banhoca ao passar por ele. Passámos pelo centro da povoação mas voltámos atrás e estacionámos próximo da primeira esplanada que nos pareceu minimamente decente para comer (e beber) qualquer coisa. Ainda antes de escolher, vieram as minis.

A refeição foi ligeira. Uma tosta para cada um (exceto para o escanzelado do Pedro, que no final pediu mais uma "bifaninha" - estou em crer que o homem tem ténia...). A mim pessoalmente, o calor dá sede mas tira o apetite. No final, foi a minha vez de dar uma de macho e pedir um geladinho, de acordo com as regras impostas pela DGS (mais ou menos).

Quando está demasiado calor, vale mais andar de mota do que estar parado, pelo que retomámos a nossa viagem, sendo que a expectativa era que a proximidade do mar nos fosse dando umas tréguas em termos de temperatura. Seguimos em direção a Sines, para depois seguir caminho até à Comporta, com uma paragem para abastecimento em Melides pelo meio.

A Comporta estava igual a si mesma. Alguma gente de férias, uma atmosfera antiga, datada, mas sempre acolhedora e a oportunidade de mais hidratação.

No largo principal, além das esplanadas que servem de abrigo ao calor, as cegonhas marcam também a sua presença com ninhos em tudo quanto é lado. A torre da igreja não é exceção. Uma última discussão sobre o caminho a percorrer, e o abandono definitivo da ideia de fazer a travessia por ferry em Setúbal. O risco de não estar a funcionar o ferry, ou de nos demorarmos mais do que gostaríamos na espera, fez-nos optar por virar em direção à Carrasqueira e seguir até Alcácer do Sal.

Já no aborrecido IC a caminho de Setúbal, sobrevivemos por pouco a um camião que fez uma ultrapassagem no sentido oposto, que mais parecia uma pega de caras. Saímos ambos da estrada para deixar o senhor passar, claramente iria em marcha de urgência para entregar batatas em alguma superfície comercial, ou algo do género. O trânsito deprimente que se começava a fazer sentir, denunciava que estavamos próximos do final da nossa viagem.

Após chegarmos ao centro de Setúbal, tentei uma visita ao Forte de S. Filipe, que estava fechado. Saltámos esse passo e atacámos as curvas da Arrábida, que seriam a última cereja no topo do bolo da nossa viagem.

A vista para o mar foi a chave de ouro para a nossa viagem. Uma breve paragem depois de percorrida a Arrábida para a despedida, e os últimos quilómetros juntos até cada um seguir o seu caminho.

Esta viagem de quatro dias, ainda que com calor extremo e mau tempo à mistura, foi mais um presente que demos a nós próprios. Muita estrada boa percorrida, em boa companhia e excelente disposição. Um bálsamo, sobretudo para mim que durante este ano poucos quilómetros de mota tive oportunidade de fazer. Sempre que acabo uma viagem destas, penso que facilmente me habituaria a esta vida... enquanto não posso fazer disto a minha vida, vou saboreando estes momentos, com alguns amigos que não se importam de partilhar a estrada comigo e contribuir para estas experiências e aventuras.

Cerca de 1600 quilómetros depois, estavamos em casa... Venha a próxima!

domingo, julho 19, 2020

Passeio Geométrico - Dia 3/4

O terceiro dia do passeio geométrico era o mais desafiante em termos de distância a percorrer. O plano geral era ir de Penamacor até Vila Real de Santo António, percorrendo uma distância ligeiramente superior a 450 kms. Sabíamos no entanto que parte significativa deste percurso, sobretudo a partir da zona do Marvão, seria relativamente desinteressante, até porque a entrada no Algarve não seria feita pelo Caldeirão. Adicionalmente, seria o dia em que o João regressaria a casa, não ficando connosco para o regresso no dia seguinte.

Posto isto, e depois de um bom pequeno almoço (ainda) em família, albardaram-se as burras e preparámo-nos para seguir viagem. Faríamos apenas uma paragem para abastecer e tomar café ainda antes de chegar a Castelo Branco, durante a qual nos apercebemos que o dia seria "agreste" relativamente à temperatura que logo de manhã se fazia sentir...

A primeira tirada da manhã foi um misto de troços menos interessantes com algumas curvas divertidas, sobretudo na N18 já depois de Castelo Branco. Fez-se de forma rápida, e lá fomos andando até à primeira paragem da manhã, no Marvão.

No Marvão, e com um olho a espreitar Espanha já ali, foi tempo de hidratação. Talvez pela proximidade do país de nuestros hermanos, era visível a quantidade de Espanhóis com que nos cruzávamos em todo o lado. Claramente não era o COVID que os ía impedir de fazer turismo em terras lusas...

Ainda era cedo para almoçar, e os princípios nutritivo-religiosos do João "empurravam-nos" para um almoço que se antecipava tardio, por isso resolvemos fazer mais uma tirada maior antes de parar para almoçar. Cortesia da COVID, e sabendo nós da existência de uma espécie de cerca sanitária em Monsaraz, onde o nosso plano inicial nos levava, resolvemos adaptar-nos e fazer um desvio alargando o percurso até Évora. A partir daí logo se via o que faríamos. Antes disso, e só naquela de respirar por uns instantes, parámos numa escassa sombra nos arredores do Crato, só para recuperar.

Finalmente chegámos a Évora. Naveguei-nos a todos diretamente para um local que já conhecia junto à Capela dos Ossos, onde antecipei poderíamos comer decentemente e sem nos embrenharmos em grandes confusões no centro da cidade. Dado o calor que se fazia sentir, levava em mente algo leve como uma salada e beber qualquer coisa fresca, mas o escanzelado do Pedro começou a lançar um olhar guloso para uma sopa de cação na mesa ao lado, e acabei por me sentir na obrigação de lhe fazer companhia... a saladinha ficou para o gordo do João.

Depois de um belo repasto no restaurante O Cruz, seria tempo de nos despedirmos do João, que faria o regresso a casa a partir dali, enquanto eu e o Pedro seguiriamos em direção a sul. Despedidas feitas, e saímos de Évora em direção a Moura, com o objetivo de uma paragem intermédia junto ao Alqueva.

Assim fizemos. Ficámos surpreendidos porque contávamos com uma temperatura mais amena nos arredores da barragem, mas não foi o caso. O calor claramente não iria dar qualquer espécie de tréguas naquele dia, e o melhor era habituarmo-nos a essa ideia.

Tornava-se novamente imperativo parar novamente para hidratar, pelo que fizemos a paragem seguinte em Moura, onde simplesmente parecia termos aterrado numa terra deserta, onde não se avistava vivalma. Valeu-nos um tasco aberto, enfiado num recanto da zona histórica, onde uma senhora com cara de poucos amigos nos vendeu umas minis, que bebemos sentados à sombra de uma árvore ali mesmo ao pé das muralhas do castelo

Uma vez hidratados, seguimos novamente viagem. O plano agora era fazer a próxima paragem próximo das minas de S. Domingos, onde existe a praia fluvial da Tapada Grande. Certamente saberia bem fazer a hidratação seguinte com direito a vista.

A praia fluvial efetivamente estava convidativa, mas a quantidade de pessoas junto ao bar de apoio fazia-nos pensar logo num viveiro de COVID, pelo que decidimos hidratar noutro lado qualquer menos populado. E eu já conhecia um quiosquezinho junto à estrada que serviu perfeitamente para o efeito.

O destino estava próximo, e a ideia era ainda antes de passarmos por Mértola, fazer o último abastecimento do dia e só parar só no destino final. Fizemos tudo isso, menos a parte de abastecer, que nos esquecemos. Já relativamente próximo de Vila Real o Pedro começou a temer pelo pior, quando a Tracer deixou de assinalar autonomia após umas dezenas de quilómetros já na reserva... Abrandámos o ritmo e começamos as rezas para não "morrermos na praia". E assim foi, devagarinho lá chegámos ao fresco da ria, para logo depois entrar em Vila Real e encostar nas primeiras bombas que apareceram. Tínhamos feito pouco mais de 300 kms com um depósito.

Encontrada com facilidade a residência Matos Pereira, um alojamento sem jeito nenhum e que não recomendo a ninguém, mas que foi o possível de arranjar dentro dos timings apertados em que planeei esta viagem... tomada a banhoca e recuperadas as energias, lá fomos à procura de um lugar para jantar.

Armados em finos, escolhemos um spot à maneira na marginal com vista para o rio, escolhemos um peixinho da bancada mandámos vir o branco à pressão. O Pedro estava armado em maricas com medo que as melgas atacassem, coisa que lhe afiancei com toda a confiança não iria acontecer, porque de paragens anteriores por ali nunca tal tinha sucedido. 5 minutos depois estavamos literamente a ser devorados por bicharada que apareceu vinda sabe-se lá de onde. 

A bicharada eventualmente lá desapareceu, e com umas camadas de repelente e de uma banha da cobra vinda da Tailândia, que o Pedro iria deixar esquecida no restaurante, conseguimos apreciar um belo jantar. Antes de regressarmos ao alojamento, o Pedro armou-se em macho e parámos num spot junto ao largo da câmara municipal, para comer um "picolé". Só para que fique registado, eu bebi um mojito.

Era tempo de ir descansar. Demos as boas noites às burras que ficaram à porta do nosso estaminé, e entrámos, não sem antes lavar as mãos com uma mistela que devia ser alcóol-gel, mas pelo cheiro seria mais bagaço-gel. Afinal, queríamos manter aquele estabelecimento de nível livre de COVID!

 No dia seguinte, haveria mais.

sábado, julho 18, 2020

Passeio Geométrico - Dia 2/4

O segundo dia, aquele que mais prometia, começava. O trajeto definido era o que mais (e melhores) curvas apresentava, e a paisagem era também a mais interessante.


Como o nosso alojamento não incluía pequeno almoço, rapidamente nos preparámos e fomos até à garagem desfazer o "tetris" de motas que tínhamos montado na noite anterior, para regressar à estrada.


Pouco depois de arrancar procurámos um estábulo que permitisse dar de beber a burras e comer a burros em simultâneo. Logo após passar a ponte D. Luís e percorrendo poucos metros pela marginal, encontrámos o lugar certo.


Houve quem desse uma de macho e mostrasse como é que se começa o dia à moda do Porto: com um belo copinho de leite magro...


Baterias recarregadas, rapidamente percorremos os quilómetros que se seguiam na N108, com o objetivo de chegar à N222, a célebre estrada que permite percorrer o Douro de uma ponta à outra do país.


A N108 estava um bocadinho carregada de ciclistas e o traçado não favorece situações livres de risco, pelo que apesar da beleza da envolvente, eu pessoalmente tinha mais expectativas relativamente à N222 (que já conhecia de passeios anteriores).


Percorrida a primeira tirada de quilómetros na N222, passando primeiro sobre o rio Paiva, chegámos a Pias, onde parámos num parque junto a um açude com muito bom aspeto, junto ao rio Bestança.


O calor já se fazia sentir, e bem, mas ali em particular estava uma ventania tal que até levantou um chapéu de sol pelos ares!


E apesar de andarmos a passear, como motards bonitos, asseados e bonzinhos que somos, cumprimos sempre com as regras impostas pela ditadura da COVID-19!


Desta vez houve quem abdicasse dos copos de leite, e optasse por algo à base de cereais, nomeadamente cevada, no que diz respeito à hidratação. Não deixa de ser uma opção saudável. Repostos os níveis de hidratação, lá fomos nós outra vez.

A paisagem e a vista do douro enquanto percorremos a N222 é sempre sublime. Sem dúvida uma das melhores estradas para fazer mototurismo do país. Fácil perceber porquê.


O destino do final da manhã era o Pinhão, onde pretendíamos almoçar. O calor já era abrasador e nem a proximidade do rio, aliviava a coisa. Tivemos de reposicionar as burras na tentativa de lhes arranjar alguma sombra, o que deu origem a mais um momento Tom Cruise da viagem...


Estacionadas as burras na sombra possível, sentámo-nos numa esplanada que mais parecia uma estufa, tal era o calor que se fazia sentir. A sede era tanta que achámos por bem ser "higiénicos" na escolha do que iríamos comer e beber, caso contrário ficaríamos ali a hibernar o resto da tarde. Uma saladinha e coca-cola zero para todos! Não é algo de que me orgulhe muito, mas aqui fica o registo fotográfico desta situação pouco comum e inusitada...


Como nos sentíamos melhor em andamento do que parados, terminada a refeição fizemo-nos de novo à estrada. Apesar de no nosso roadbook a ideia ser começar já a descer em direção a sul, a N222 estava a saber-nos bem, e numa inversão o Pedro convenceu-me facilmente a percorrer mais uns quilómetros seguindo a placa em direção a S. João da Pesqueira.


As encostas do Douro são realmente uma paisagem que me impressiona sempre, e é sempre com prazer que as percorro de mota. Sem diminuir o mérito da paisagem, os quilómetros seguintes também foram recheados de curvas das boas, e o dia continuava a saber-nos a todos muito bem.

Como volta que é volta não se faz sem nos enganarmos pelo menos uma vez no caminho, eu na qualidade de navegador fiz-nos desviar uma dúzia de quilómetros da rota. Quando começámos a percorrer retas que mais pareciam tiradas da paisagem alentejana, percebi que estávamos mal e demos meia volta para voltar ao nosso caminho.


Mais uma barrigada de quilómetros e pouco antes de chegarmos ao parque natural da Serra da Estrela, parámos num tasco à beira da estrada para mais um momento de hidratação.



Nesta altura eu e o João aproveitámos para continuar a achincalhar a ave agoirenta do Pedro, que tinha passado o dia inteiro a dizer que éramos capazes de apanhar mau tempo, e até então a única coisa que tínhamos apanhado era sol e um calor abrasador. O achincalho passou por sacar de material impermeável...


Como não nos ocorriam mais formas de gozar com o Pedro, lá nos fizemos novamente à estrada, porque estávamos com vontade de percorrer a N18 que contorna parte do parque natural da Serra da Estrela pelo lado Este. Esse troço sem dúvida que viria a corresponder às nossas expectativas.

A paragem seguinte seria já em Belmonte, a poucos quilómetros do nosso destino final daquele dia. Mais uma paragem para hidratação, depois de outra bela barrigada de curvas.



Estava eu a degustar a minha cerveja artesanal à base de cereja, da região, eis senão quando... nuvens... pingos de chuva... trovoada... sacana de ave agoirenta... quem se ri agora?


Escusado será dizer que, apesar de tentarmos sair dali à pressa, apanhámos um temporal de chuva e vento que nunca imaginaríamos ser possível tendo em conta o dia que tínhamos passado, e tudo com o nosso equipamento de verão, em nada impermeável. Até troncos que caíram para a estrada tivemos de andar a desviar!


Quando achámos que a coisa estava a ficar mais perigosa do que devia, procurámos abrigo numas bombas, estacionámos as burras no telheiro da lavagem automática e fomos até ao café beber uns copos enquanto o pior do temporal não passava.


O temporal nunca chegou a passar, mas abrandou o suficiente para ganharmos coragem para os 40 quilómetros que faltavam. Lá vestimos o equipamento encharcado para o encharcar um pouco mais, e fomos seguindo viagem penosamente até ao destino final. Ao chegar a Penamacor já conseguia vislumbrar aquele oásis que a casa dos meus sogros iria proporcionar a estes três gatos pingados (literalmente). E assim foi, a melhor forma de terminar o dia, com direito a um banhinho quente e um jantar em família.

No dia seguinte haveria mais.