domingo, outubro 29, 2017

sexta-feira, outubro 27, 2017

Actuar e Cicatrizar

Do alto dos meus defeitos há uma caraterística minha da qual me orgulho: a capacidade de acção quando me proponho a isso. Dito assim parece uma verdade de La Palice, e algo nada especial, mas a acção tem efeitos medicinais na vida das pessoas (e há muitas que não se apercebem disso). Como seria difícil de evitar, o tema de hoje é o mesmo dos últimos tempos: os incêndios do país e a forma como a tragédia se abateu sobre a minha família. Em que medida isto se relaciona com o que escrevi: muito pouco (para já) a não ser motivação.

Depois de ver o que vi e aqui relatei, sei que tenho de ser paciente para que certas inércias se ultrapassem e as coisas acabem por se resolver de uma maneira ou de outra. Por outro lado apetecia-me fazer algo relacionado com o tema, então ocorreu-me que se avizinha uma época do ano profícua em solidariedade. E falando de solidariedade (natalícia ou não) que melhor alvo de uma acção que os bombeiros e um dos municípios mais afetados do país? Assim fiz. Envolvi um grupo de amigos com interesse comum (motas) e neste momento tenho cerca de 20 pessoas (a crescer) dispostas a contribuir de uma forma ou de outra, com bens ou dinheiro. Falei também com a corporação de bombeiros local e com o município, e agendei já uma visita para dia 18 de novembro, altura em que nos deslocaremos ao local em caravana motard e entregaremos o que conseguirmos reunir até lá. Estou a organizar todos os aspetos logísticos da coisa, e isso de alguma forma acalma o meu espírito, pelo que vou continuar.


Não tendo poder para resolver os meus próprios problemas, posso ainda assim contribuir para resolver alguns problemas dos outros, e este pensamento transmite-me uma sensação de controlo sobre o meu próprio futuro.

sábado, outubro 21, 2017

quarta-feira, outubro 18, 2017

Casa é Onde o Nosso Coração Está


Dia 16 de outubro de 2017. O dia em que aquilo que ao longo dos anos me habituei a ver nas notícias, se tornou literalmente uma dura realidade. Tudo começou com um telefonema ao início da manhã, que me dava conta de que a aldeia (visível na imagem) tinha ardido por completo, e que em particular a casa que viu uma família inteira nascer, crescer e viver todo o tipo de acontecimentos, situações e emoções, tinha sido consumida pelas chamas violentas de um incêndio florestal, transformando-se em pouco mais do que umas frágeis paredes a albergar um enorme vazio. Dois dias passaram desde então e continuo sem conseguir digerir as imagens que vi quando me desloquei ao local, para ver com os meus próprios olhos aquilo em que o meu coração não queria nem podia acreditar. A minha reação foi incontrolável, não conseguindo fazer muito mais do que ajoelhar-me em frente a ela e chorar compulsivamente como uma criança.

E é precisamente de criança que me vêm as memórias, emoções e sentimentos que causaram essa mesma reação. É por ainda hoje recordar ao mais ínfimo detalhe e pormenor, quer a história quer as caraterísticas físicas daquele local que era mágico para mim, que não consigo ainda eliminar esta dor que arde lentamente cá dentro, como as chamas que consumiram tudo ali mesmo, naquele local. É para mim um incêndio que pode ter sido dado como extinto, mas que ainda não parou de arder.

Naquela casa viveram-se nascimentos, casamentos, divórcios, aniversários, natais, tristezas, festas, discussões, amizades, alegrias... sobretudo muitas alegrias. E este é o ponto: a casa para onde poderíamos sempre voltar, independentemente do que acontecesse. Enquanto criança passava um número significativo de meses naquele local. E na altura não preferia estar em qualquer outro. Vou para sempre recordar o seu aconchego durante o inverno e a sua frescura durante o verão. Vou para sempre recordar aquelas paredes e as suas irregularidades ao pormenor. Os soalhos de madeira torta. As mobílias que ao longo dos anos foram mudando e transformando o seu interior, entre louceiros, sofás, móveis de televisão, mesas e cadeiras. As escadas que subiam para os quartos, onde tantas vezes me sentei a brincar, à espera que fosse meia noite para abrir os presentes de natal junto à árvore, ou até daquela vez em que caí de lá e um dos meus dentes de leite desapareceu para nunca mais ninguém o encontrar. A sapateira por baixo da escada, onde me cheguei a esconder quando era pequeno. O relógio a que o meu avô dava corda como se de um ritual se tratasse. O toque desse relógio, imediatamente seguido do toque do relógio da igreja. Uma carpete comprida com duas tiras vermelhas onde fazia estradas para os meus carrinhos de brincar. Aquele gira-discos velho com "cartuchos" que punha a tocar nos primeiros dias das férias de verão, como uma antecipação das festas de São Bartolomeu que chegariam no mês seguinte. As noites de verão dormidas com os meus avós no chão da sala, nas camas feitas de cobertores, improvisadas pela minha avó. A risota ao adormecer com as histórias contadas por eles. Os pequenos quartos ao cimo das escadas, onde tanta noites passei. Os vidros das janelas embaciados no inverno, ao acordar. A escrivaninha de madeira onde fazia os trabalhos de casa das férias. As camas de ferro. As cómodas de madeira. A estátua de um tigre que a minha mãe ganhou em tempos e que trazia sempre uma história de como a minha avó encheu de porrada um tipo que vinha atrás dela. As reentrâncias das janelas que foram emparedadas. As outras janelas abertas para a rua. As argolas metálicas na parede exterior onde em tempos existiram vasos. A adega antiga, mais tarde transformada em loja de arrumos, onde se almoçou, jantou, dormiu, e até um hamster que tive fugiu da gaiola e por lá se refugiou numas arcas de madeira. A porta de madeira virada para a cozinha, pintada de azul ou de castanho, com uma cunha para que se segurasse aberta. O telefone de disco preto dos TLP com o número 53202, que mais tarde seria substituído por uns quantos mais modernos que não duraram um terço do que aquele durou. Os papéis do meu avô desarrumados pelas gavetas. O quadro elétrico antigo que disparava aos primeiros sinais de trovoada. A asa protetora da minha avó por cima de mim sentado no sofá, enquanto fazia uma oração a Santa Bárbara para que a tempestade se fosse. O meu avô sentado a ler com dificuldade, por vezes com os óculos da minha avó, pequenos fascículos com histórias antigas. As conversas mais sérias e as galhofas mais divertidas de uma família inteira confinada a um espaço reduzido. As travessas de comida a entrarem na sala vindas da cozinha ao lado em dias de reunião. Os jantares à nossa espera quando chegávamos de viagem. Os almoços de despedida quando partíamos.

Sinto que se quisesse podia continuar para sempre, tal é a nitidez das memórias que vivem na minha cabeça, e que cada vez que revisito ateiam o lume da dor que hoje carrego. Outros há a quem certamente o leque de memórias será ainda menos complacente que o meu, pelo que quero acreditar que quando a dor passar, as memórias que agora parecem acendalhas se possam transformar em suaves recordações, e que a dor seja substituída pela alegria de as ter vivido e passado por elas. E quem sabe aquela casa que agora se encontra vazia de recheio mas ainda cheia de recordações, possa ainda vir a ser reerguida para albergar muitas mais, criadas nos anos vindouros. Pelo menos eu gostava que assim fosse...

terça-feira, outubro 03, 2017

Outono em Duas Rodas Por Terras Lusas e Espanholas

No passado fim-de-semana foi tempo de mais uma voltinha de mota, aproveitando a distração do São Pedro no que diz respeito à chegada do Outono com tempo de Verão. Depois de alguns dias a agoirar, a chuva não apareceu e o sol ajudou a aquecer pneus para me fazer às curvas com uma mão cheia de amigos que partilham a paixão pelas duas rodas. O plano nasceu de um deles (um grande bem-haja, Diogo, ainda que provavelmente não me "leias" por aqui) e rapidamente ganhou tração (no sentido literal e figurado): sair de casa sexta-feira à noite, para nos dirigirmos ao ponto de encontro em Castelo Branco. No dia seguinte, partir em direção a Béjar (Espanha) para pernoitar nos arredores em Cantagallo. No dia seguinte, partindo de Cantagallo, fazer o caminho de regresso com direito a mais umas curvinhas, até entrar de novo em Portugal e fazer o percurso até casa (a tempo de ir votar...).



E assim foi. A primeira noite foi muito bem passada, com direito a um belo jantar no Restaurante 14 e pernoita no Guest House Hostel Esplanada. No dia seguinte, sair pela fresquinha e fazer aquilo que mais gostamos de fazer... rolar!


Depois de alinhadas as burras e alimentados os burros, lá nos montámos nelas e fizemos à estrada, que já chamava por nós. Abastecimento, passagem pelo Sabugal e paragem para um favaios bem fresco.


A primeira paragem em Espanha foi em Valverde Del Fresno, depois de fazer uma descida de curvas e contracurvas fantástica, que tínhamos conhecido há dois anos, mas - na altura - com direito a chuva. Desta feita o tempo estava fantástico, e as condições para fazer as curvas com outra emoção foram excelentes.


Alguns quilómetros de boa estrada depois (fico sempre admirado com a diferença da qualidade das estradas desta região espanhola, face às que temos em Portugal...), foi tempo de encher a barriga. Por acaso e durante um abastecimento, obtivemos uma dica de um restaurante que não era muito caro. Espanto o nosso quando nos deparamos com um restaurante de estrela Michelin no hotel rural A Velha Fábrica, onde tivemos que nos deter mais tempo que o esperado tal era a qualidade dos pratos e sobremesas que nos foram servidas!


Mas como o que nos movia não era só a gastronomia e o convívio, a estrada chamava por nós... e nós respondemos.


Mais uns quilómetros de boa estrada e melhores curvas, e o calor começava a pedir uma paragem para umas cañas. Paragem num tasco de beira de estrada de nome Oásis Bar, em frente a um lagar de azeite onde já se descarregava a azeitona que deixava um suave aroma no ar.


Nova barrigada de quilómetros e curvas já em direção a Sierra de Francia, onde também revisitaríamos um troço que já conhecíamos e que muito nos agrada, e que carinhosamente batizámos de "mini stelvio", em honra ao célebre Passo do Stelvio em Itália (basta olhar para a configuração da estrada para perceber o porquê).


Como tenho a mota no "estaleiro" há mais de 3 meses, esta volta foi feita com uma "jovem" ZZR 1100 emprestada, com 24 anos de idade, mas que se portou de forma exemplar ao lado das "teenagers" do grupo, quer nas curvinhas do mini Stélvio, quer nas estradas mais abertas.


Chegados a Béjar, o sol já desaparecia e as primeiras luzes iluminavam aquela bela povoação, que todos os anos alberga os amantes de ski que ali se deslocam para a prática da modalidade.


Apesar de já ir nos vapores e há muito ter ultrapassado a linha vermelha do indicador de reserva, a fome era tanta que decidimos fazer o checkin no El Tirol, lugar fantástico e pitoresco nos arredores de Béjar, em Cantagallo, para logo de seguida irmos em busca de lugar para jantar. Mais uma recomendação dos locais, e fomos a uma antiga e abandonada estação de comboios, agora transformada no restaurante Estación Béjar Verde.


Ali comemos umas belas tapas e bebemos umas quantas cañas, que por milésimos de segundo nos pesariam na consciência quando, ao arrancar para regressar ao hotel, nos cruzaríamos com a Guardia Civil a olhar para aquele grupo de motas com ar guloso. Felizmente nada se passou, e a noite foi de descanso.


Na manhã seguinte as burras já estavam alinhadas debaixo de uma latada recentemente vindimada, no pátio do El Tirol, enquanto tomávamos um belo pequeno almoço composto por umas tostas com um molho de tomate regado com azeite e sal, aparentemente típico daquelas bandas.


Uma olhadela rápida no mapa para perceber onde estávamos, e para onde iríamos...


... à qual se seguiria uma passagem pelo centro de Béjar, que no dia anterior dada a hora de chegada não tínhamos tido a oportunidade de visitar.


Uma vila lindíssima que respira antiguidade e onde encontraríamos mais uns quantos pormenores pitorescos, incluindo umas estátuas em tamanho real de D. Quixote e Sancho Pança.


Após o cafezinho da praxe lá nos fizemos novamente à estrada, percorrendo um caminho estreito e curvilíneo pelo meio de uma densa vegetação a fazer lembrar o Gerês, que nos levaria a Puerto de Honduras, onde faríamos nova paragem para respirar o ar fresco e puro daquela paisagem a cerca de 1500m de altitute.


Seguimos caminho e alguns quilómetros a bom ritmo depois, resolvemos parar em Plasencia para encher a barriga que a fome já apertava. Como o tempo escasseava optámos por uma solução de compromisso (hambúrgueres) ficando combinado que assim poderíamos parar ainda um pouco em Cáceres, para umas cañas de despedida.

Depois de uma última paragem para abastecer o estômago em terras de "nuestros hermanos", concordámos em abastecer as "burras" em Badajoz para aproveitar a poupança no combustível, e seguir daí para Portugal. Como o dever cívico preocupava alguns, o regresso foi feito com mais ritmo por autoestrada, depois do abraço da despedida e do desejo de realizar um passeio semelhante o mais breve possível.


Para minha alegria a montada de empréstimo com que me aventurei a fazer estes mais de 1100 quilómetros em apenas dois dias portou-se à altura do desafio. Chegou a casa quase sem óleo, quase sem combustível e quase sem pneu de trás, mas chegou, trouxe-me com ela e em segurança, com a barriguinha cheia de curvas e o espírito cheio de satisfação.



Venha o próximo (passeio e pneu, que este já deu o que tinha a dar...)!

segunda-feira, outubro 02, 2017

Adaptação... Mudança...

Tive hoje o prazer de, num evento profissional em que participei hoje, conhecer Billy McLaughlin e a sua história. Para quem tiver 6 minutos pode conhecê-la também em maior detalhe aqui, mas resumidamente, trata-se de um músico que se entregou à guitarra desde os 12 anos. Passados cerca de 20, quando finalmente tinha uma carreira como virtuoso da guitarra, discos gravados, contratos com discográficas, etc., começou a sentir dificuldades a tocar, nomeadamente a controlar a sua mão esquerda. Algumas idas ao médico depois, foi-lhe diagnosticada distonia focal, uma doença rara que afeta um músculo ou músculos específicos, e que é irreversível. Basicamente o seu lado direito do cérebro deixou de controlar a sua mão esquerda. Até ser diagnosticado, passou um mau bocado, viu a vida que tinha construído ruir, perdeu o seu trabalho, os seus amigos e família acharam que tomava drogas... Só passado algum tempo de ter o diagnóstico e de conseguir começar a lidar com a situação é que conseguiu algo fascinante: adaptou-se. O facto de ser um virtuoso contribuiu de forma determinante para esta adaptação. Depois de deixar completamente de tocar, passou a fazê-lo de forma... digamos... diferente. Aqui fica este exemplo da capacidade do ser humano fazer muito mais do que aquilo que achamos ser possível. Senhoras e senhores, Billy McLaughlin tocando Hold On To Forever...