sexta-feira, julho 31, 2015

Guerra e Paz

Dada a minha vulnerabilidade ao tema, dou por mim a ler uma larga variedade de artigos de opinião e textos mais ou menos (na maioria das vezes, menos) científicos sobre a parentalidade. Estes textos e publicações dividem-se entre o sério e o trágico-cómico, na medida em que uns tentam assumir um tom didáctico e mais prático, enquanto outros tentam realçar os contornos cómicos de vidas por vezes dramáticas, de pais, em torno dos seus filhos. Na realidade penso que ambas as perspectivas são reais. Pelo menos no meu caso é o que sinto. Por isso não sei muito bem em que tom vai resultar esta minha tentativa de verbalização de sentimentos em torno do facto de... enfim... ser pai... de dois. Um deles, o primeiro, potencial filho único que acabou por não o ser, já não dá propriamente trabalho algum. Já deu. Os cinco anos passados dar-nos-iam (ao pai e à mãe) o relaxamento mais que merecido obtido através do regresso a situações da vida dita social, que o poderiam envolver mesmo nesta idade, sem qualquer espécie de transtorno para os pais onde novamente me incluo. Escrevo a última frase como mera hipótese, porque na realidade existe o segundo. O segundo, no topo do seu primeiro ano de vida, recheado de uma personalidade que nada tem a ver com o primeiro, teve o dom de nos retirar o nirvana quase alcançado, e lançar de novo no mundo das fraldas, da privação extrema de sono (como eu nunca achei ser possível um ser humano tolerar) e dos nervos em franja após a fase da ilusão em que “este se calhar vai ser diferente”. A realidade é que crianças são crianças. Seja em que fase da infância for. E estão cá porque nós assim o decidimos. Não concordo com a ideia de que somos 100% responsáveis pela sua personalidade, temperamento, feitio ou aquilo que for. Não podemos ver a evolução de um ser vivo à lupa de um microscópio, porque existe um infindável conjunto de elementos, factores e pequeníssimos acontecimentos que contribuem para a sua evolução, dos quais nem sequer nos apercebemos. A genética é um exemplo disso mesmo, quando a personalidade de um bebé é perceptível poucas horas depois de este nascer (experiência própria). Somos no entanto os principais responsáveis por gerir esses factores externos da melhor forma possível, com as ferramentas que temos ao nosso dispor. A questão é que a determinada altura damos por nós em guerra. Primeiro, guerreamos com os filhos, porque acabamos por ter a ideia peregrina que eles estão em guerra connosco, quando na realidade lutam por aprender a gerir os seus próprios sentimentos e emoções. Depois guerreamos entre nós, pais. O pai com a mãe porque isto... a mãe com o pai porque aquilo. Depois guerreamos com o nosso próprio ser. Porque eu não era assim... nunca fui... achei que nunca poderia ser... e agora sou. E não gosto. E não sei o que fazer para voltar a ser quem eu achava que era. Mas se calhar não era. E agora tenho de aprender a ser outra vez, mas de maneira diferente. Em todas estas fases que descrevo, e no meio de algo que sei que ainda não acabou e por isso não posso para já descrever, posso revelar um truque que para mim, e contra a minha própria natureza nervosa, tem vindo a funcionar: preocupar-me menos. Preocupar-me menos com o que pode acontecer, porque muito provavelmente não o poderei evitar. Deixar de sofrer por antecipação, ao pensar em todos os cenários possíveis e imaginários em que as coisas podem não correr bem, porque não sei de facto o que vai acontecer. Ou melhor, em que as coisas podem não acontecer como eu gostaria. E o segredo do meu truque está aqui mesmo. Se deixarmos de correr atrás das nossas expectativas de uma “vida normal”, percebemos que entretanto veio ter connosco uma “vida melhor”, porque na realidade são essas expectativas (na realidade muito pouco interessantes) que nos inibem de perceber que... estamos lá! São essas perspectivas egocêntricas de querer tanto fazer algo que pode até nem ser assim tão pertinente, que nos inibem de apreciar os etéreos momentos em que, em vez disso, acalmamos o choro de um bebé e ele encaixa a sua pequena cabecinha no nosso pescoço, por fim, em paz... que nos inibem de desmontar uma situação tendo a capacidade de provocar o riso e a gargalhada em vez de provocar o choro e a tristeza... que nos inibem de transformar a excitação infantil em cansaço natural e consequente paz e sossego, em vez de irritação e transtorno... que nos inibem de educar educada e educativamente em vez de simplesmente ralhar ou gritar... que nos inibem de perceber o que já temos, e que nem sequer estávamos à espera de alcançar. É difícil de perceber isto. Porque supostamente estamos em guerra. O problema é que nesta guerra, o nosso inimigo somos nós próprios. Eu pessoalmente, não sei se mais pela força do raciocínio e meditação, se do cansaço... já não quero lutar... prefiro a paz. E tenho duas pessoas em miniatura muito grandes, que com toda a certeza me vão ajudar a alcançá-la! Na realidade, já estão a ajudar, minuto a minuto. Pouco passa da meia noite e já tive de adormecer o mais novo duas vezes. Não faz mal... acabei de o deitar novamente e beijei-lhe a testa antes de o fazer. Boa noite a todos e, se por acaso e porque são férias os vossos filhos ainda não se deitaram, despeçam-se deles e digam-lhes o quanto os amam. Se já dormem, aconcheguem-lhes o lençol, dêem-lhes também um beijo na testa, e amanhã demonstrem-lhes de alguma forma o quanto os amam e o quanto eles são importantes. Afinal, se eles não estivessem cá nunca descobriríamos quem somos realmente e a nossa vida seria sem dúvida muito menos interessante.

quinta-feira, julho 09, 2015

Nove do Sete

Hoje a pessoa com quem escolhi passar o resto da minha vida faz anos. Era meu hábito escrever algo especial neste dia especial, para lhe oferecer, num postal. Mas se a memória não me atraiçoa, nos últimos dois ou três aniversários por um motivo ou outro (leia-se desculpa ou outra) acabei por não o fazer. Acho que é uma tradição a retomar por todos os motivos possíveis. Por isso, desta vez para além de escrever algo, faço-o de forma a que este texto seja partilhado com quem me lê (ou pelo menos a quem interessar).

A ti, Sofia, digo-te que o que me move a escrever-te hoje, para além do teu aniversário, é o reconhecimento daquilo que significas para mim. Sempre que tento estruturar na minha cabeça uma forma possível de o descrever acabo por ter pensamentos desorganizados, tal é a quantidade de coisas que tenho para te dizer. Por isso vou dar o meu melhor mas desculpa se por vezes a coisa não ficar muito clara.

És… o meu refúgio. És a pessoa que sei que está sempre à minha espera, para me colocar a mão no ombro, para me abraçar, para me dar um beijo e dizer que vai correr tudo bem, quando as coisas correm menos bem. És a pessoa que vê o melhor caminho que devo seguir quando surge o nevoeiro. És a pessoa que confia em mim para percorrer esse caminho, por vezes mais do que eu próprio. És a pessoa que percorre o caminho comigo, mesmo quando faço a escolha errada.

És… a minha heroína. És a pessoa que eu mais admiro, por tudo aquilo que consegue fazer, sempre sem vacilar. Não amíude falta-me a paciência quando tu a consegues manter. Falta-me a força quando tu consegues ser forte. Falta-me o discernimento quando tu consegues ser racional. És mãe, és mulher, és profissional, e em tudo és boa a sê-lo. E nunca deixas de o ser.

És… o meu ânimo. És alguém com com brinco. Aprendeste a deixar-me brincar contigo, mesmo quando as brincadeiras não eram ou não são do teu agrado. Ris-te comigo e isso faz-me rir. Gosto de rir, mas gosto muito mais de me rir contigo. Aprendemos a rir um do outro e de nós próprios, em conjunto. E os nossos meninos também já aprenderam e também vão fazer parte desta risada geral pela vida fora, que é o melhor remédio para a felicidade.

És… a minha inspiração. Quando por vezes me esqueço daquilo que me motiva e me move a fazer determinadas coisas, penso em ti. Penso em nós e naquilo que até hoje construímos juntos. Lembro-me que esses são os derradeiros objetivos que temos e penso que as razões para fazer tudo aquilo que faço são essas mesmas. Quando uma manhã ou uma tarde ou uma hora ou um minuto não correm como gostaria, lembro-me que no final do dia estarei contigo, e sei que essas horas ou minutos vão correr como quero que corram. E sei que não tenho de me preocupar com isso, porque simplesmente vai acontecer, aconteça o que acontecer.

És... a minha musa. Mesmo em fases da vida como a atual, em que a criatividade e a inspiração não me sobejam, consigo encontrar os resquícios de tudo isso que há em mim, escondidos em ti. Quando te procuro dentro de mim, encontro-te e encontro-me a mim também. Lembro-me daquilo que sou e volto a ser capaz de fazer aquilo que gosto de fazer. E a criatividade e a imaginação voltam a funcionar. E sou capaz de trautear uma música… sou capaz de visualizar uma das paisagens que visitámos… sou capaz de rever momentos específicos na minha cabeça, como aquele em que te conheci… sou capaz de escrever como faço agora, neste momento.

És… a minha mulher. Passados 12 anos desde que nos conhecemos, continuo a olhar para ti e simplesmente a desejar-te. Continuo a perder-me no teu rosto, no teu olhar e nos pormenores do teu corpo. Faço-o divertida e silenciosamente quando não reparas. Interrogo-me se farás o mesmo comigo. Fico feliz quando finalmente nos encontramos. Fazes inexplicavelmente com que nenhuma outra mulher seja relevante porque sinceramente só me apetece estar contigo.

És… tudo para mim.

Parabéns. Tenciono escrever-te mais, e antes do próximo nove do sete. Um beijo.

quinta-feira, julho 02, 2015

O Burro Sou Eu

De vez em quando gosto de me presentear a mim próprio a meio do dia, nem que seja com um simples almoço "chill out". Então lá vou a um lugar qualquer à minha escolha, simplesmente desfrutar da paisagem e da comida. Hoje foi um desses dias, e como um dos privilégios de trabalhar na zona de Alcântara é estar a poucos minutos a pé das docas (entre muitos outros locais que tenho aproveitado para visitar), foi este o destino escolhido. Enquanto esperava pela minha pizza Siracusa e beberricava a minha Stout, tive a oportunidade de assistir a uma cena circense de um par de velhotes que chegou naquele momento à doca. Objetivo: atracar uma pequena embarcação no cais. Algo que poderia ser simples, mas não o foi. Na primeira tentativa de aproximação (e não obstante os gritos do velhote nº2 que se encontrava na popa) o velhote nº1 embateu violentamente no cais tendo sido obrigado a reposicionar-se para tentar nova manobra. Na segunda vez, e já com menos velocidade, conseguiu não embater de novo contra o cais. Desta feita foi contra a embarcação que estava ao lado. Como se diz na gíria militar, era tempo de voltar à primeira forma, pelo que resolveu sair da doca e voltar a tentar. Embateu de novo contra um cais onde se encontrava outra embarcação. Nisto o velhote nº2 já tentava auxiliar da forma que podia, lutando desesperadamente para afastar a embarcação de todos os alvos a que o velhote nº1 fazia pontaria, com um varão metálico, sem sucesso. Finalmente e passados cerca de 15 minutos, lá conseguiram atracar no respetivo cais, não sem antes evitar um forte embate da proa do navio, onde ficou uma amolgadela para a posteridade. Dei por mim a rir-me daqueles dois senhores que tentavam desesperadamente atracar o Ricardo III (pomposo nome para tão pequena embarcação), acabando por rir mais de mim próprio, que nesta quinta-feira estava a desfrutar de breves momentos de descontração a meio de um dia de trabalho, enquanto que aqueles dois de quem instantes antes me ria chegavam provavelmente de uma bela pescaria, num dia maravilhoso, com um tom de pele que evidenciava tratar-se de algo que fazem frequentemente. Como dizia o Scolari... acho que o burro sou eu.