quarta-feira, março 30, 2022

Continua a Olhar por Mim...

Fez ontem uma semana que me despedi de ti. Quando soube que não estavas bem, senti de imediato um aperto por dentro e a necessidade de te ver o mais depressa possível, naquele momento e nem um segundo mais tarde. Uma mistura de memórias, sentimentos e um mau estar físico invadiram-me e tomaram conta das minhas ações e pensamentos. E no meio desse turbilhão de pensamentos, infelizmente, estavam os meus piores receios que se viriam a confirmar poucos dias depois...

Quando finalmente tive a oportunidade de me aproximar de ti, entristeceu-me ver-te assim e ouvir-te dizer que não querias estar ali, naquele desespero e naquele sofrimento. Não foi uma despedida feliz como nunca poderia ser... foi a despedida possível... mas ainda assim reconforta-me um pouco ter conseguido fazê-la. Vou recordar para sempre esta última vez em que te dei um beijo na testa, te afaguei os cabelos brancos e ondulados e senti o teu cheiro floral enquanto o fiz, o que me trouxe à memória os meus tempos de menino, em que passava contigo aqueles dias de férias a que na altura dava pouca importância mas que tantas saudades me fariam sentir mais tarde.

Poucos dias depois chegaria a notícia mais temida. Apesar de não ser uma surpresa, a mim que sou daquelas pessoas que (por muito racional que tente ser) não me consigo "preparar" para este tipo de coisa, fez-me desabar... Após aquele telefonema, caí sobre mim próprio e chorei... chorei mais... chorei muito. A dada altura deixei-me chorar até secar todas as lágrimas que tinha e que eram poucas para descrever a tristeza que sentia, por já não estares cá.

Inequivocamente foste uma das raras pessoas deste mundo que sempre deu tudo e nunca pediu nada, sempre teve a preocupação de ajudar e não incomodar. Sempre incluíste os outros nas tuas rezas e sempre pautaste a tua vida pelos valores mais altos das tuas crenças pessoais, religiosas e espirituais. E isso faz de ti um daqueles exemplos de vida que poucas pessoas hoje em dia têm a oportunidade de conhecer. Eu não só tive a oportunidade de te conhecer como de te ter como minha avó e por isso (entre outras coisas) sinto-me agradecido.

Sinto-me agradecido pelas memórias que guardo em mim. Das coisas grandes, dos momentos importantes, do orgulho que sentias em qualquer dos passos que dei na minha vida, mas também das coisas pequenas. Do caminho que fazíamos a pé quando me ias buscar à escola... da fruta que misturavas nas refeições que me preparavas e que eu teimava não querer comer... das pequenas brincadeiras que inventavas para mim, como uns simples barquinhos de papel num alguidar de água... mais tarde, da tua preocupação em ter a casa sempre impecável e preparada para aqueles dias de férias que ia passar contigo... do teu cuidado a preparar um bom pequeno almoço... da tua limonada feita a partir de cubos de gelo de sumo de limão... do teu sorriso constante mesmo que estivesses em sofrimento... da forma como vivias os teus pequenos prazeres como o da leitura e da costura... do altruísmo presente em cada gesto teu enquanto cuidavas dos outros.

Agora mesmo, enquanto revivo algumas lembranças tuas, as lágrimas assomam-se aos meus olhos, porque de facto sinto e sentirei para sempre a tua ausência e a tua falta. Ao longo da vida, com a partida daqueles que amo - como tu - fico com o sentimento que se vão fraturando os elos que me ligam ao meu passado, às minhas raízes, às minhas experiências e aos momentos de alegria que enquanto criança tive a felicidade de viver. Só espero poder eu próprio conseguir algum dia criar elos tão ou mais fortes para quem me vier a recordar quando eu partir, porque apesar da tristeza destes momentos, há também um sentimento de felicidade e sobretudo gratidão por tudo o resto.

Podia ainda falar sobre a tua devoção, mas prefiro não o fazer, porque é só tua e demasiado preciosa para alguém ignorante na matéria, como eu, comentar. Só me ocorre dizer que se o paraíso existe e se alguém tem direito ao seu lugar nele, esse alguém és tu. Espero que seja aí que estás agora mesmo, a olhar por todos nós como sempre fizeste. Um beijinho.

domingo, março 20, 2022

Mentalmente...

Sentirmo-nos bem connosco e com os outros.
Sermos capazes de lidar de forma positiva com as adversidades.
Termos confiança e não temermos o futuro.

Mente sã em corpo são.

Segundo a ABEB esta é uma definição de "saúde mental", um termo que nos últimos anos passou a estar na moda, mas que aparentemente ainda ninguém sabe ao certo do que se trata nem dá a devida importância. Mas devia.


Nunca foi tão evidente, no contacto com família, amigos ou colegas de trabalho, a gravidade deste problema, e o pior é que a maioria das pessoas nem se apercebe de que isto é efetivamente um problema, logo pouco ou nada faz para se defender e se proteger. Temos todos uma palavra a dizer naquilo que deixamos entrar na nossa mente, na forma como o interpretamos e no efeito que isso possa ter em nós. É no mínimo redutor viver a vida de forma passiva como meros recetores da informação que alguém decide enfiar-nos pelos olhos e ouvidos adentro.

Existe uma tendência para o exagero, a dramatização, o alarmismo, o pânico generalizado, que resulta do somatório de todos os meios de comunicação, redes sociais e conversas polarizadas que preenchem o nosso dia-a-dia. Aquilo que as pessoas parecem esquecer, é que esta forma de "comunicação" e "informação" a que temos acesso deturpa a realidade e no final coloca-nos a todos num ponto onde, em situação normal, ninguém gostaria de estar.

Devia ser tempo de dizer basta! Cada um de nós individualmente, devia ser capaz de filosofar um bocadinho. Desligar-se por uns minutos do dia do resto do mundo e simplesmente falar com os seus botões. Pensar, raciocinar e (expectavelmente) chegar a conclusões lógicas sobre esse raciocínio que lhe permitam lidar melhor com o passado, presente e sobretudo, o futuro.

Os eventos recentes deviam ser suficientes para perceber que mesmo uma pandemia como a COVID-19 não foi suficiente para acabar com o mundo, e que apesar de todas as situações trágicas que ocorreram e que tocaram quase toda a gente de forma direta ou indireta, de facto a maioria de nós ainda por cá está para contar a história. Qual é então o motivo para o declínio na saúde mental das pessoas resultante do acontecimento da COVID-19 adquirir agora uma dimensão maior e mais problemática do que o acontecimento em si?

Eventos ainda mais recentes serão uma oportunidade que teremos para combater este declínio ou acentuá-lo ainda mais. Parece-me que estamos a seguir pelo segundo caminho, mas gostaria de assistir a uma inversão e ver a opção pelo primeiro.

Há mais de 10 anos atrás participei num evento durante cerca de 3 dias, do qual retive algumas aprendizagens que até hoje vou relembrando pontualmente e tento não esquecer. Uma delas, é perceber que há coisas que posso influenciar através da minha ação direta e que, em oposição, há outras que não. A segunda parte deste raciocínio, é uma constatação óbvia: se há coisas para lá do meu controlo, de que serve preocupar-me e martirizar-me por elas? Não será um exercício muito mais produtivo focar a minha energia e atenção nas coisas que posso efetivamente mudar? Será que, para além do efeito negativo que tem em mim a preocupação sobre um problema que será sempre impossível de conseguir resolver e consequentemente tem o potencial de me atormentar e frustrar para sempre, esse foco não está a desviar a minha atenção de tudo o resto? Do meu trabalho, da minha família, dos meus amigos, da minha saúde?

Exemplo prático: devo viver aterrorizado, angustiado e deprimido com os perigos e os efeitos de uma guerra além-fronteiras que, por muito dramática e trágica que seja, ainda não colocou a minha vida e a daqueles que me são próximos em risco, e sobre a qual pouco mais posso fazer do que ajudar aqueles que mais vão precisar? Mesmo que nos venha a afetar diretamente no futuro, deve ser uma preocupação a ter já nos dias de hoje? Não advogo a indiferença, mas sim a consciência de que aquilo que podemos influenciar neste contexto tem limites e que existem acontecimentos e momentos certos para deixarmos a nossa preocupação manifestar-se.

Porque é que temos então esta tendência para nos focarmos no drama, na tragédia e no impossível, em vez de darmos atenção a tudo de bom que nos rodeia e que pede igualmente a nossa atenção? Ou temos dúvida que podemos ter um sentimento de realização por dedicarmos mais tempo a fazer o que temos para fazer? Ou a dar atenção aos nossos pais e aos nossos filhos? Ou a estar mais tempo com os nossos amigos? Ou a praticar desporto e comer de forma saudável? O que causa este desequilíbrio?

A minha resposta é que não sabemos dizer "não". Estamos demasiado habituados a que nos digam o que temos que fazer, aquilo que devemos pensar. Não questionamos as coisas de uma forma efetiva, simplesmente assumimos uma posição sobre um determinado tema, muitas vezes mal fundamentada e tendo por base informação deficiente, e defendemos essa posição como se a nossa vida dependesse disso. Não abrimos mão de ter uma opinião vincada sobre tudo em detrimento de querer saber mais e assumir que poderíamos estar errados sobre algo. E todos nós sabemos que uma opinião é tão mais vincada quanto o dramatismo e a veemência que incutirmos no nosso discurso.

É tempo de baixarmos o nosso próprio volume. É tempo de desligar a televisão ou pelo menos mudar de canal. É tempo de escolher ver um filme alegre em vez de notícias trágicas requentadas. É tempo de ouvir música em vez de gritos e lamentos. É tempo de ir para a rua respirar ar puro em vez de nos encerrarmos em casa em isolamento. É tempo de conversar com alguém em vez de falar para alguém. É tempo de sairmos do lugar do passageiro, sentar no lugar do condutor e dirigirmos a nossa vida na direção certa.

 

A quem possa interessar, deixo aqui um link para o Kit Básico de Saúde Mental, disponível no site www.manifestamente.org