segunda-feira, agosto 27, 2018

Jornalismo de Qualidade

Dei por mim hoje a rir de tristeza quando li uma estranha notícia que me levou a percorrer uma série de jornais online, só para tirar nabos da púcara. Havia ali algo de estranho, que me levou a querer saber mais...


Rezavam assim os seguintes jornais:

Público:
Um grupo de cerca de 40 pessoas esteve envolvido em desacatos, agressões a agentes da polícia e destruiu materiais num supermercado em Estremoz, distrito de Évora, causando prejuízos no estabelecimento, revelou fonte da polícia neste sábado.

Jornal I:
Um grupo de cerca de 40 pessoas obrigou à intervenção da polícia num supermercado em Estremoz.

Observador:
Grupo de cerca de 40 pessoas esteve envolvido em desacatos, agressões a agentes da polícia e destruiu materiais num supermercado em Estremoz, distrito de Évora, causando prejuízos no estabelecimento.

Jornal de Notícias:
Agentes da PSP foram atacados num supermercado de Estremoz, distrito de Évora, por familiares de jovens identificados por suspeita de roubo. Lançaram cadeiras, malas de viagem... Prejuízos rondam os cinco mil euros.

SIC Notícias:
Um grupo de cerca de 40 pessoas esteve este sábado envolvido em desacatos e agressões a agentes da polícia. Foram destruídos materiais num supermercado em Estremoz, distrito de Évora, causando prejuízos no estabelecimento, revelou fonte da polícia.

Podia continuar...

Comecei a estranhar o que podia ter causado esta histeria coletiva a um "grupo de 40 pessoas", dentro de um supermercado. Revolta pelo preço da sardinha estar tão alto? Um desconto mal assinalado em produtos de higiene pessoal? Ou seria simplesmente algum químico no ar a causar tamanha confusão?

Finalmente descobri a causa do problema num vídeo publicado no YouTube... e as minhas suspeitas confirmaram-se. Sabem em quantas destas publicações online que referi é referida a palavra "ciganos"? Nenhuma! É este o país em que vivemos, em que o politicamente correto não tem limites nem vergonha, e leva TODA a comunicação social a desinformar em vez de informar, a bem de evitar conotações entre raças e atos criminosos. Um bando de 40 ciganos que assalta um supermercado é "um grupo de 40 pessoas que se envolve em desacatos", tal como um gangue de pretos a fazer car jacking é um "grupo de jovens envolvidos em roubo automóvel", tal como um grupo de romenos que pontapeia e agride alguém violentamente são "indivíduos envolvidos em confrontos". É caso para dizer que as os jornalistas que redigiram estes textos podem ser também de forma politicamente correta apelidados de descendentes diretos de meretrizes ou rameiras, mas no final do dia não passam de uns filhos da puta. Vergonha na cara, senhores jornalistas... vergonha na cara.

segunda-feira, agosto 13, 2018

Por Baixo da Superfície...

Alguns dias depois de o incêndio de Monchique ter sido dado como controlado, o chorrilho de disparates proferidos pelos nossos (des)governantes é ainda difícil de digerir. Palavras como "sucesso" e "vitória" associadas a uma catástrofe com o tamanho de 28000 hectares e 10 milhões de euros em prejuízos são difíceis de entender, seja lá qual for o "contexto" de que se possam retirar. Parece-me que a estupidez é um fogo que continua a arder abaixo da superfície, qual vista aérea do incêndio por quem está acima das nuvens, como retratado brilhantemente por um dos pilotos de Canadair que combateram as chamas durante a passada semana...


quinta-feira, agosto 09, 2018

Falta de Inteligência

Há um par de dias atrás, ouvi uma das poucas coisas acertadas que se dizem nos meios de comunicação social, acerca do flagelo dos incêndios que (infelizmente, como eu esperava, uma vez mais) assolam o país. 6 dias passaram desde que deflagrou um incêndio grave em Monchique, no Algarve, e as chamas continuam a lavrar descontroladamente num país que se julgava ter ardido quase por completo no ano anterior, desaparecendo assim mais uma fatia significativa do pouco que restava de verde neste "jardim à beira mar plantado".


Esta situação deveria fazer sobressair a incompetência, a inépcia e a estupidez de todos aqueles cuja função deveria ser a de assegurar que a tragédia do ano anterior não se repetia. Mas como estamos em Portugal, não é o caso. Como estamos em Portugal, uma tragédia destas pode voltar a acontecer de forma inconsequente, sem que ninguém seja responsabilizado, ficando as culpas por atribuir (apesar de existirem óbvios culpados, desde o poder governativo até a alguns ditos "operacionais" entre os quais se inclui a Proteção Civil, organismo que sistematicamente se tem revelado tão útil como uma viola num enterro). Como estamos em Portugal, o Primeiro Pinistro pode vir a público dizer que um incêndio que lavra há mais de 6 dias, com um dispositivo nunca antes visto (cerca de 1500 bombeiros, centenas de viaturas e dezenas de meios aéreos), é a "exceção que confirma o sucesso". Sucesso? Sucesso exatamente em quê, Sr. Primeiro Ministro? Dizer que o resto do país não arde graças a algum tipo de ação governativa é só estúpido, dado que o resto do país... já tinha sido consumido no ano anterior, tendo sido atingindo um record de área ardida de mais de 500 mil hectares! Dizer que uma das poucas áreas florestais não ardidas no ano anterior está agora a ser consumida na sua totalidade, porque nada se aprendeu com as lições do passado, já seria mais inteligente. Mas este tipo de análise (que teima sistematicamente em falhar nos órgãos de comunicação social) significaria que não estaríamos em Portugal.


Mas estar em Portugal tem as suas vantagens, não é só coisas más. Senão, vejamos:
  1. Uma das vantagens de estar em Portugal, é que se o nosso trabalho for a defesa da população, mesmo que falhemos sistematicamente, não temos de nos demitir (noutros países como a Grécia tal já não acontece, conforme se constatou após o incêndio de há umas semanas atrás);
  2. Uma das vantagens de estar em Portugal, é que atrás de uma grande tragédia, vem sempre o crescimento económico... pelo menos para alguns; no ano passado a indústria da madeira e pasta de papel teve a sua oportunidade, e parece-me que o setor da construção civil começa a ver aqui também uma oportunidade para o seu pequeno balão de oxigénio;
  3. Uma das vantagens de estar em Portugal, é que mesmo quando as coisas correm mal, há sempre formas de "pintar o quadro" pela positiva, conforme se pode constatar pela frase supracitada do Sr. Primeiro Ministro;
  4. Uma das vantagens de estar em Portugal, é que quando não sabemos resolver um problema, podemos sempre contorná-lo, conforme se pode constatar pela nova política do "deixa arder" que está cada vez mais em vigor; com o devido respeito que partilho pela vida humana, parecendo-me no entanto óbvio que o número de mortes ocorridas no ano passado foi o ponto mais chocante do que sucedeu, este ano sempre que surge um foco de incêndio, simplesmente opta-se por arrancar as pessoas das suas casa e deixam-se as mesmas ser consumidas sem apelo nem agravo pelas chamas;


Pegando no último ponto do "deixa arder", na qualidade de alguém que já viu o que é seu ser consumido pelas chamas (e que passado quase um ano continua a viver as consequências disso), de alguém que se lembra, assistiu e participou no combate a alguns incêndios em que frequentemente eram as populações os principais agentes na defesa daquilo que era seu (quando os bombeiros pouco ou nada conseguiam fazer), de alguém que reconhece nas gentes do seu país pessoas trabalhadoras que deram o que tinham e não tinham para ter a sua casa e os seus meios de subsistência vulneravelmente ao alcance de uma chama... custa-me ver tamanho desprezo por tudo isso, apenas porque (citando a tal frase acertada que ouvi há um par de dias)... "falta inteligência"!


Falta inteligência para perceber que os fogos não se combatem durante o mês de agosto, com milhares de bombeiros e centenas de meios, mas sim numa ação continuada ao longo do(s) ano(s) - alguém sabe, por exemplo, o que é que o GIPS (Grupo de Intervenção de Proteção e Socorro, da GNR, que conta com mais de 1000 efetivos) faz nos outros 10 ou 11 meses do ano?
Falta inteligência para perceber que é urgente organizar devidamente a floresta de acordo com um plano nacional que saia do papel, com coordenação local pela parte das autarquias.
Falta inteligência para saber responsabilizar as pessoas de uma forma justa e sem cair no extremo da perseguição a quem não tem acesso a informação ou meios para proceder a limpezas de terrenos - e já agora, dar o exemplo naquilo que é a responsabilidade das próprias autarquias, como por exemplo na criação e manutenção de estradas corta-fogo.
Falta inteligência para perceber que é tempo de deixar de camuflar as reais causas e os interesses por detrás dos incêndios, perseguindo aqueles que os levam a cabo.
Falta inteligência para saber educar as populações de uma forma efetiva quanto à prevenção e combate dos incêndios.
Falta inteligência para perceber que a situação é demasiado grave para ser utilizada como mais uma forma de promover os tradicionais caciques, que são no mínimo uma ofensa grave a todos nós.
Falta inteligência para ajudar os bombeiros (e os militares) a fazerem corretamente o seu trabalho, sem deixar interferir as atrapalhações políticas e os interesses privados - continua sem explicação a decisão de não utilizar a Força Aérea no combate aos incêndios, assim como forças de intervenção terrestre compostas por elementos dos vários ramos das forças armadas.
Em suma, falta inteligência para saber o que fazer e dizer, e o muito que se tem dito (e pouco que se tem acertado) é a clara prova disso.


Sou um grande adepto da velha máxima que diz que "quando não temos nada de jeito para dizer, vale mais ficarmos calados", mas neste caso, ao fim de tantos anos de inépcia, incompetência, irresponsabilidade e desrespeito para com todos nós, para quem de direito, ficar calado já não é opção, assim como o não é a falta de ação como aquela a que temos assistido num crescendo de violência, a cada época estival que passa.


Não consigo lidar muito bem com a frustração e o sentimento de impotência perante uma situação sem fim à vista, mas assumo o voto de lutar com todas as armas que tenho, intervindo em todas as situações que possa (por mínimas que sejam) para fazer a minha parte. Resta-me esperar que conforme esta situação se agrava, mais pessoas assumam a mesma postura e forma de pensar, atuando sobre aquilo que está diretamente ao seu alcance. Talvez assim um dia cheguemos a algum lado...