domingo, abril 05, 2020

3 Semanas, 3 Palavras

Prefácio das 3 Primeiras Semanas de uma Quarentena

11 de março de 2020. O dia em que, ao chegar a casa, recebi uma chamada do meu chefe a dizer que havia uma suspeita de contacto indireto com uma pessoa infetada, em relação a mim, e que a minha quarentena deveria começar nesse momento. Com familiares a chegarem meia hora depois para ficar em minha casa, gerou-se alguma confusão na minha cabeça. Deveria entrar em casa? Ir para outro local e isolar-me? Onde? E a minha família? E o contacto prévio? O que fazer? Depois de tentativas vãs de ligar para a linha Saúde 24 (que na altura contaria com uma média de 4 horas de espera para atendimento de chamadas), conversei com uma ou duas pessoas até decidir o que fazer, após hora e meia de reflexão fechado no meu carro. Entrei em casa, cumprimentei os meus familiares de visita, ao longe, e essa noite isolei-me no meu quarto. No dia seguinte os meus familiares de visita partiram e a minha quarentena em casa começou.


A suspeita não se confirmou mas desde então as únicas pessoas com quem mantive contacto direto foram a minha mulher e os meus filhos, e as saídas de casa resumem-se a uma vez por semana para comprar bens essenciais. Desde cedo levei esta situação a sério (ainda que sem pânico nem pessimismo), e o que tenho visto tem sido a evolução da maneira de estar daqueles que desvalorizaram o assunto e que só agora começam a entender que isto não é "apenas mais uma gripe" (há muitos que ainda não chegaram lá), mas sim uma crise sem precedentes, sobre a qual pouco ou nada conseguimos prever sequer a curto prazo (quanto mais a médio/longo prazo) e da qual sairemos todos "diferentes". Passados portanto uns dias de reflexão (e sem escrever) sobre o assunto, resolvi ir partilhando umas quantas ideias minhas sob a forma de palavras soltas. Pouco mais de três semanas passadas impõem pelo menos três destas palavras, que serão as que se seguem.

Origem.

Muito se tem comentado a suposta "responsabilidade" da China enquanto ponto comum de origem dos vírus que nos anos mais recentes foram assolando o mundo, com impactos e graus de propagações muito diferentes daquele que agora enfrentamos. O próprio idiota do Trump, resolveu apelidar este vírus de "Chinese Virus", o que acaba por ser só parvo porque neste momento é um problema mundial e não apenas de um país. O que é um facto é que nomes como SARS (Severe Acute Respiratory Syndrome) ou MERS (Middle-East Respiratory Syndrome), fazem parte de uma lista de Coronavirus cujo epicentro tem sido sistematicamente localizado na Ásia, mais concretamente numa qualquer região da China. Mas se o epicentro ocorre na China, as ondas de choque fazem-se chegar a todo o mundo, tal como podemos comprovar agora mesmo. O COVID-19 é a prova disso. Mas porquê na China? Por incrível que pareça, existem razões históricas que vêm desde os anos 70, em que se vivia um colapso económico na China. A partir daí foram tomadas medidas pelo governo, que levaram à existência e posterior proliferação dos chamados "mercados vivos" onde espécies animais (que não as habituais) começaram a ser comercializadas para combater a fome. Desde então estes mercados nunca mais deixaram de existir, e passaram de uma solução de contingência e combate à fome, para algo ao alcance de uma pequena fatia da sociedade que hoje em dia faz "lobby" para que tais locais se mantenham, apesar do perigo que representam. Deixo aqui mais um filme que vale a pena ver, para melhor entender esta realidade.



Previsível.

Toda esta situação, o era. O facto de ser previsível, não quer no entanto dizer que tenhamos feito alguma coisa para nos prepararmos em relação a isso. Nem mesmo as ameaças que a natureza ou o próprio ser humano nos foi "deixando" ao longo dos anos mais recentes foram suficientes para adquirir esta consciência e esta preocupação, pelo que agora lidamos com as consequências disso. A Ted Talk do Bill Gates em 2015 (sim, há 5 anos atrás) é o exemplo perfeito disso. Quase se podia apelidar o senhor de Nostradamus. Aqui fica a conferência na íntegra, intitulada "The Next Outbreak".


Solidariedade.

No meio de uma crise como esta, existe uma maior facilidade em perceber de que matéria são feitas as pessoas. Se por um lado temos os egoístas, os egocêntricos e os estúpidos que são aqueles que regra geral causam as maiores dificuldades e os aspetos mais negativos destes momentos difíceis (desde o simples açambarcamento de bens até à incitação ao pânico e, no limite, à violência), por outro temos heróis que se revelam nas coisas mais simples, como um pequeno ato de bondade capaz de gerar um "efeito borboleta". E são esses pequenos atos de bondade que muitas vezes nos permitem manter algo que é o bem mais essencial de todos para vencer as adversidades: a esperança. E é essa esperança que devemos manter acesa, porque é ela que nos move a seguir em frente e a acreditar que realmente vamos ultrapassar tudo isto. E é sobre essa esperança que fala uma música que considero um dos hinos que surgiram durante este período, coincidência das coincidências criada por um músico da Terceria, nos Açores, que se juntou a um realizador também português, e que em conjunto criaram um vídeo viral com o título "Andrà Tutto Benne". Aqui fica também.


(Continua...)