sábado, fevereiro 23, 2013

Pune - Diário de Bordo - Dia 2


Depois de recuperar o sono em falta das duas últimas noites, hoje foi dia de dar descanso à mente e fazer uma breve incursão por Pune. Após alguma pesquisa e várias conversas com o pessoal do hotel, resolvi começar o meu passeio e apanhar um tuctuc (espécie de riquexó motorizado que é o transporte mais comum em Pune) para visitar por uma das principais atracções da cidade: o templo Dagdushet, onde se encontra o ídolo Ganpati. Reza a história que Shreemant Dagdusheth Halwai, um negociante de doces que era um homem virtuoso, perdeu o seu filho numa época em que a peste alastrou pela cidade. Como forma de o tirar da sua depressão, o seu guru aconselhou-o a construir dois ídolos e a tomar conta de cada um deles como se fossem o seu filho.

Um dos ídolos, Shri. Ganpati (Srhi. é o mesmo que Sr.), encontra-se neste templo que hoje visitei e que atrai muita gente todos os dias. Tive a sorte de ir até lá numa hora que não tinha muita gente, permitindo-me apreciar durante algum tempo, no seu interior, o movimento das pessoas que o visitam trazendo os seus filhos e bebés para obter uma bênção. Apesar de ter dúvidas se os meus sapatos ainda estariam à minha espera na rua, junto ao molho de chinelos onde os deixei de forma a poder entrar, deixei-me ficar por ali, e mesmo sem ter nada a ver com esta cultura simplesmente senti-me bem. Tenho pena de não se poderem tirar fotografias no interior, porque é realmente fantástico. As paredes são todas trabalhadas em dourado e prateado, o ídolo (figura de um elefante sentado com quatro braços e a tromba enrolada) está todo ornamentado, e todo o ritual à volta deste templo é muito interessante. Neste local entusiasmei-me e fiz a primeira (possível) asneira da viagem: comi uma coisa que não sei ao certo o que era (percebi que era um doce) que me deu um tipo qualquer no templo. O facto é que existiam pessoas a distribuir coisas difíceis de identificar, que toda a gente aceitava e comia. Se amanhã estiver a cagar fininho, tenho de voltar para agradecer ao Srhi. Ganpati...

Após a visita ao templo andei um pouco pelas ruas adjacentes e observei as pessoas, os muitos vendedores ambulantes, os vários mercados, até me resolver a apanhar outro tuctuc. Desta vez o motorista era um pouco menos honesto, e tinha um saco a tapar o taxímetro. Perguntei-lhe o preço para me levar ao meu próximo destino e pediu muito mais do que eu sabia que custaria. Após alguma negociação, lá chegámos a acordo e seguimos viagem. De notar que qualquer motorista de tuctuc percebe pouco ou nada de inglês (excepto a parte dos números), pelo que levar o nome dos sítios que queria visitar, escritos num papel, revelou-se uma boa ideia. Além disso é difícil negociar porque a concordância é assinalada com um abanar de cabeça que para nós, ocidentais, significa "não" ou na melhor hipótese "talvez", ou seja, "não" significa "sim". Por mais que tenhamos consciência disto, durante a conversa o sentimento é no mínimo de dúvida perante este movimento contra natura. Adiante.

O meu destino seguinte foi o forte de Shanivarwada. Este forte construído no século XVII fica relativamente perto do templo, e é aquilo que resta do palácio onde vivia o Peswha, uma espécie de líder ou representante do império Maratha, que esteve no poder até ao século XIX, altura em que se rendeu aos ingleses. Não existem vestígios do palácio, porque durante o século XIX houve um incêndio que durou 7 dias e o destruiu na íntegra, mas segundo percebi deveria ser majestoso. O que sobrou foram as fundações, os jardins e as fortificações circundantes que hoje podem ser visitadas (tal como eu fiz). Neste jardim os 34 graus de temperatura fizeram-se sentir mais a sério e dei-me por feliz por ter comigo uma garrafinha de água, ainda que bem morninha.

Uma vez visto o forte, dei mais uma volta pela zona circundante, tentando não morrer atropelado cada vez que tinha de atravessar a estrada, com veículos a virem na minha direcção e a buzinar, de todos os sentidos. É realmente uma confusão, barulho e movimento constante, que nos faz sentir um pouco desnorteados, mas vivos! Ao fim de algum tempo começamos a entrar no ritmo. Para mim, no entanto, já chegava de passeio, e resolvi apanhar mais um tuctuc e voltar ao hotel. Outro motorista que usava o taxímetro apenas para efeitos decorativos. Perguntei-lhe se o podia ligar e partiu logo para a negociação. Concordei com um terço do valor pedido, e lá fomos nós. Até ao momento ainda não vi vacas no meio da estrada. Só cabras. Tentei tirar uma fotografia mas o tuctuc deu um tal solavanco nesse momento que apanhei a máquina em queda livre já do lado de fora da viatura... e não consegui a foto.

Depois de ter sido deixado em frente ao hotel, atravessei a estrada pelo meio do trânsito em fúria com tal destreza que me senti praticamente um nativo! A sensação que dá é que atravessar uma estrada é uma espécie de acto de fé. Nós vemos os veículos vir na nossa direcção mas temos de confiar que eles param a tempo ou se desviam, e simplesmente continuar a andar. Uma espécie de Johnnie Walker indiano ("keep walking"). Mais uma revista com detectores de metais para entrar no hotel e lá voltei ao conforto do meu fresco quarto. Para contrariar a constipação que teima em ficar, fiz mais um treino no meu ginásio privativo (é a segunda vez que o tenho só para mim, e algo me diz que vai ser assim todos os dias), tomei uma banhoca e logo a seguir fui ver o por-do-sol no bar da cobertura do hotel, acompanhado por uma bela e fresquinha Hoegaarden. A janta também correu bem (hoje já me aventurei um bocado no picante) e agora que já tratei da escrita, vou por a leitura em dia. Até amanhã!

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