terça-feira, julho 08, 2008

Crónicas de Uma Cidade Antiga

Passeio algumas vezes pelas ruas de Lisboa, observando edifícios com tanto para contar, mas que mais parecem moribundos. Ontem o incêndio da Avenida da Liberdade levantou, segundo a comunicação social e outros, o espectro da tragédia que foi a destruição do Chiado na década de 80. Eu lembro-me dessa destruição, mas diria antes que algumas zonas desta cidade são elas próprias pouco mais que fantasmas, pelo que não são necessárias memórias mais ou menos longínquas de outros tempos para ter uma fotografia negra da situação. A Lisboa que temos hoje em dia, apesar de ser ainda muito bonita no geral, é o resultado de anos e anos de especulação e aproveitamento dos mesmos de sempre, a nível imobiliário e não só. É uma cidade deserta, com três habitantes numa zona como a do Rossio e ruas com mais de dez portas seguidas emparedadas. Os preços são demasiado altos e especulativos para quem quer que seja comprar, e os edifícios são demasiado antigos e danificados para se poderem recuperar. Os (poucos) habitantes vão deixando de existir, conforme vão abandonando as suas casas ou morrendo, logo seguidos das suas próprias habitações, locais que testemunharam as vidas de várias gerações, as alegrias e sofrimentos de todos os que passaram por entre as suas paredes, em frente às suas fachadas... prédios que vão definhando lentamente. Entretanto as pessoas vão-se acumulando em caixotes com divisórias que proliferam ao redor da cidade. Locais desprovidos de qualquer beleza, harmonia estética ou mesmo qualquer característica em particular. De dia multidões deslocam-se em direcção ao centro deste coração que adoece com o passar do tempo, de noite regressam aos seus casulos para logo depois repetir o mesmo movimento perpétuo. Posso dizer que vivo dentro desta cidade e que reconheço as claras vantagens que isso tem, a beleza (ainda) indubitável desta capital europeia onde tenho o prazer de viver, e a tristeza de assistir ao seu envelhecimento sem a dignidade que um local único como este merece.

4 comentários:

Belzebu disse...

Antes de mais...os meus parabéns pelos sons do caraças! É que são mesmo do...caraças! eheheh!

Eu tenho o prazer de ter nascido e viver na cidade "inbicta" e é com enorme orgulho que o digo, mesmo não me revendo em regionalismos bacocos e sem qualquer sentido.

O Porto sofre hoje algo do género e isso também me preocupa, mas estou convencido que mais do que constatar que a cidade está a definhar, constato que as pessoas também estão e isso sim...preocupa-me muito mais!



Aquele abraço infernal!

apenas um gajo... disse...

E continuamos a ser afastados desta bela cidade, agora fui eu a sentir isso na pele. E a cidade continua entregue ao poder do cimento especulativo.

Um bem-haja

Eli disse...

Conheci um pouquinho de Lisboa recentemente... e creio que essas facetas lhe atribuem o encanto, mas as de que falas precisam de ser recuperadas e a especulação devia acabar!...

:)
P.S. Fiz a minha autobiografia.

Marco disse...

belzebu: concordo com o que dizes e penso que isto é mais um problema cultural do que regional/local. Neste sentido, tudo definha por cá.

gajo: acho que estamos todos condenados a um destino semelhante ao teu. Eu pessoalmente, quando/se mudar, também serei mais um a ver-me forçado a abandonar a cidade.

eli: muitos dos encantos que falas chegam a passar despercebidos a quem cá vive. Talvez se as pessoas vissem a cidade como ela é realmente, a respeitassem mais também.