terça-feira, maio 28, 2019

Astúrias e Picos da Europa - Dia #3

O terceiro dia nasceu, e com ele a vontade de andar mais de mota. A equipa de matrecos pagou cara a degustação de whisky da noite anterior, nomeadamente eu que claramente não tinha ido aos treinos o suficiente. Acordei com uma cabeça do tamanho do mundo. Claramente não era o único, já que ao pequeno almoço o Pedrosa fez acompanhar as torradas de Guronsan (e que teve a bondade de partilhar). O mais fresco e fofo ainda assim era o Pedro "al tiempo", que se não estava na maior... parecia. A ressaca era generalizada, mas não impeditiva de estarmos todos com uma vontade do caraças de nos fazermos de novo à estrada!



Lá fora as motos esperavam por nós, por isso era tempo de lhes fazer a vontade, arrumar os tarecos, montar e seguir. Despedimo-nos dos simpáticos proprietários do hostal e restaurante que tão bem nos acolheu, e fomos albardar as burras.



Nesta altura e como apesar de não estar a chover, o tempo ainda tinha um aspeto ameaçador, houve malta mais mariquinhas que resolveu fazer o desfile da coleção Outono-Inverno da Moda Hi-Viz...



Mesmo com o tempo meio farrusco, à saída de Riaño a paisagem era simplesmente espetacular. A água parada fazia um efeito de espelho, que tenho pena de não ter capturado em foto, sendo que só um pouco mais à frente parei para a bater a chapa de grupo.



O objetivo seguinte era chegar a Cangas de Onís ainda durante a manhã, desviar até Covadonga e se possível fazer uma visita aos lagos Enol e Ercina. Rumámos em direção a norte, uma vez mais por uma estrada com uma envolvente espetacular, sobretudo a passagem pelo Desfiladero de los Beyos e todo o troço em que fomos acompanhando o leito do Rio Sela.





A manhã foi feita de andar muito e parar pouco. A distância não era grande, mas o piso molhado não dava margem para grandes aventuras em termos de ritmo. Foi pena porque com tempo seco seria algo digno de um parque de diversões. Fomos andando, e assim que chegámos a Covadonga, a primeira coisa que fizemos foi procurar onde beber mais um cafezinho, há muito desejado (sobretudo pelos elementos da equipa de matrecos). Seguimos as instruções de um elemento da guardia civil para estacionar as motas, e continuámos a pé.





Constatámos que os acessos aos lagos estavam fechados ao público, sendo necessário alugar um serviço de transporte para visitar os mesmos, o que implicaria cerca de uma hora de visita guiada em autocarro... Uma vez que estávamos ali para andar de mota e não de autocarro, optámos por abdicar da visita aos lagos e deixar como motivo para regressar noutra ocasião ao local, que assim o pede. Deixámo-nos estar mais um bocadinho à conversa, com as habituais brincadeiras e mentiras, enquanto íamos absorvendo a envolvente espetacular do local.



Até o Bicabagaço do Xico deu um ar da sua graça! :)



De seguida aproveitámos para visitar o Santuário de Covadonga, que é composto por uma capela construída dentro de uma gruta no interior do Monte Auseva, com um lago subterrâneo. O nome Covadonga deriva precisamente de "cova de onnica", que significa "rio da cova".









Depois de visitar o santuário, estava na altura de começar a pensar no almoço. Tivemos de fazer um compasso de espera porque o Pedrosa perdeu novamente as chaves, desta vez da mota. Foi nesse momento que ficou oficialmente apelidado de "o porta-chaves". Quando por fim percebeu que as tinha penduradas ao pescoço, conseguimos então sair dali.



Enquanto o Ricardo albardava a sua Super Duke, passou uma senhora por ele que, olhando para a mota, não se inibiu de dizer em voz alta:


- Esta mota é grande merda! a GT é que é...


Mal sabíamos nós que a dita senhora era uma ave agoirenta, que mais tarde iríamos recordar...


Saímos de Covadonga novamente em direção a Cangas de Onís, e fomos em busca de um restaurante com "buena pinta" que o Pedro tinha topado pelo caminho, e que servia também os típicos menus com "primer y segundo" em modo bom e barato. Finalmente encontrámos o restaurante La Palmera. Aparcámos as motos e fui tratar da logística.





- Hola! Somos 12... tienes comida para nosotros?- Sí! Os preparo una mesa!

E lá fomos nós para mais um excelente momento gastronómico, dos muitos (praticamente todos) que fizeram parte desta viagem!



Um dos "primeros" que marcharam, foi o típico prato asturiano "fabada", que nos deixou logo com pouco armazenamento para os "segundos". Muitos mais dias a comer assim e claramente regressaríamos todos com necessidade de uma boa dieta!



Enquanto degustávamos mais uma refeição do caraças, com boa companhia e boa conversa, íamos observando o desfile "motorrad" que passava lá fora. Sentíamos que aquela zona estava um bocadinho sobrepovoada de motas e estávamos felizes por nos irmos afastar daquela área mais turística assim que terminássemos o almoço. Não contávamos no entanto com a surpresa que teríamos durante a parte da tarde...


Já com a barriga cheia (e bem) a estrada chamava novamente por nós. Fomos pagando a refeição e saindo gradualmente para o estacionamento das motas, onde o céu limpo e o sol nos esperavam. Enquanto a malta albardava as burras, as miúdas do grupo resolveram tirar as medidas à mota de cada uma...



Não posso deixar de fazer uma menção especial a estas duas grandes mulheres que integraram o grupo.

Cátia... Cada vez que tenho o prazer de rolar contigo fico sempre impressionado com a tua evolução enquanto motociclista e a forma como vives isto tudo. Parece que foi ontem a primeira vez que te vi andar na tua CB500X durante a primeira viagem em que participaste, e agora... quem te viu e quem te vê!

Sara... Surpreendeu-me a tua coragem e determinação. Mesmo tendo tu receios resultantes da reduzida experiência em viagens maiores, não tiveste problemas em atirar-te de cabeça numa aventura destas. Ao longo da própria viagem foi evidente a tua evolução e vontade em alargar a tua zona de conforto.

Um grande beijinho a ambas, pela coragem, determinação e atitude, e por darem o exemplo mostrando que isto das motas não é uma cena exclusiva de gajos feios, porcos e maus. Bem haja!

Voltando à viagem... Arrancámos do restaurante e mal fizemos meia dúzia de kms, chegados ao primeiro desvio, demos por falta de dois elementos do grupo. Uma SMS do Luís no meu telemóvel dizia o seguinte:
Ricardo com furo. Na rotunda à saída do restaurante.

Demos meia volta e regressámos ao seu encontro. O Ricardo olhava desanimado para a sua KTM forrada a fita carbono, com o seu pneu de trás praticamente vazio. Tentámos perceber onde estava o furo, tarefa que não foi fácil já que não havia sinais de pregos, parafusos ou outros objetos eventualmente espetados no pneu. Finalmente encontrámos um pequeno golpe que se veio a confirmar ser o responsável pela perda de ar do pneu. Impunha-se mais uma reparação de berma de estrada!

Vários elementos do grupo tinham vindo equipados com kits de reparação de furos... o Carlos perguntou "já alguém reparou um furo com um kit destes?", ao que a resposta foi... silêncio. Não deixa de ser cómico que, em 12 tenrinhos que andam diariamente de mota, nenhum deles tenha até hoje tido a necessidade de aplicar um taco (falo por mim que de alguma forma, das muitas vezes que furei, consegui sempre chegar a algum lado em que alguém pudesse sujar as mãos por mim). Alguma vez teria de ser a primeira, e aquilo não é propriamente "rocket science" por isso deitei mãos ao kit do Luís e assim começou a reparação.



Enquanto a reparação decorria com a ajuda de todos, o Ricardo assumiu o papel do "responsável pelo acompanhamento da obra", conforme se pode constatar pela foto... Da minha parte, como foi o primeiro furo que reparei, resolvi fazer um "taco do caralho", do qual ficou o registo fotográfico!



Despejaram-se umas botijas de ar comprimido para repor a pressão do pneu, e alguém comentou que se estivesse ali o Rui, certamente traria consigo o compressor que facilitaria o processo. Fizemos mais um par de kms para o Ricardo testar a mota. A pressão ainda estava muito baixa e não era suficiente para rolar em segurança. Entretanto reparei num sujeito subia para um trator ali ao nosso lado, e resolvi perguntar se sabia onde poderíamos encher o pneu à mota.

- Buenas! Un compañero nuestro tiene un problema con su moto... sabes donde podemos llenar su neumático?- Sí, aqui mismo! (disse, enquanto apontava para uma quinta ali em frente)

Fui com o Ricardo até ao local onde estava o compressor, que apesar de não permitir ver a pressão com exatidão, serviu para encher o pneu. Ofereci-me para pagar umas cañas como agradecimento pela disponibilidade, mas recusaram com um sorriso e despediram-se de nós. O ar de preocupação na cara do Ricardo começou a desaparecer. Comentámos que a "ave agoirenta" que em Covadonga tinha apelidado a SD de "grande merda", provavelmente feito ali mesmo a sua macumba. Rimos todos e, por fim, seguimos viagem.

À saída da povoação de Corao, onde nos encontrávamos, a estradinha que se seguiu foi novamente magnífica. Um traçado estreito com curvinhas bem técnicas, quintas, animais e paisagem em geral foram uma constante ao longo deste percurso, que nos levaria até à zona mais a norte da península, onde iríamos poder observar o Golfo de Biscaia. Numa paragem intermédia percebi no entanto que o Ricardo vinha novamente com cara de poucos amigos. A telemetria da sua mota indicava que o pneu continuava a perder ar lentamente, e sabíamos que não era pelo local onde tinha sido aplicado o taco. Combinámos parar no ponto de interesse seguinte e logo decidir o que fazer.

Chegámos por fim a Bufones de Pría. Estacionámos as motas e descemos até à Playa de Guadamia, onde nos deparámos com mais uma paisagem magnífica. Naquela zona desagua o rio Guadamia, e a rebentação forte das ondas lá ao fundo, cria um cenário espetacular.





Era tempo de mais uma fotografia em "equilíbrio dinâmico", para registar o momento.



Por esta altura o Ricardo estava cada vez mais preocupado com a situação do pneu, no qual já não tinha confiança, e todos nós partilhávamos essa preocupação, por isso decidimos ir até às bombas de combustível mais próximas para reavaliar a situação. Assim fizemos. Saímos dali e cerca de 10 kms depois parámos numa estação de serviço, aproveitando também para abastecer.

Era quase estúpido não percebermos por onde raio o pneu estava a perder ar. voltámos a tentar descobrir alguma outra fuga, verificámos a válvula, e nada... não conseguíamos dar com o raio do furo. Decidimos encher o pneu e procurar um local onde nos pudessem ajudar, eventualmente desmontando o pneu e reparando-o de uma vez por todas. Contactámos meia dúzia de locais, até que finalmente nos confirmaram disponibilidade para reparação numa oficina Feu Vert em Gijón, que estava aberta até tarde. Como ficava próxima de Oviedo, onde tencionávamos pernoitar, não hesitámos.

Antes de arrancar enchemos novamente o pneu. Descobrimos que o ar em Espanha... paga-se. 1 euro para ter direito a 5 minutos de compressor e/ou água. Operação que tivemos de repetir a meio caminho, pelo que aos consumos de combustível do Ricardo, há que somar mais 2 ou 3 euros para ar e água e um kit de reparação de furos.



Fomos percorrendo o caminho junto ao golfo, mas seguindo a lei do improviso e por razões óbvias, decidimos fazê-lo por autoestrada. O dia começava a parecer longo e queríamos resolver aquela situação de uma vez por todas. Chegados à oficina, entrei e expliquei de imediato a situação ao funcionário.

- Buenas tardes. Tenemos un problema en el neumático de una de las motos y llamamos para saber si podían hacer una reparación.- Perdón, pero no reparamos motos en este taller.
- Cómo no reparan? Cuando llamé dijeron que sí!!!
- Perdon, no lo hacemos.

Aparentemente tínhamos feito 70 kms para nada. Depois de controlar a minha vontade de dar uma cabeçada ao gerente da oficina, perguntei se ao menos nos poderiam ajudar a encontrar o furo, que o reparávamos nós. Lá nos ajudaram a procurar uma segunda micro-fissura que nos tinha escapado, e que estava finalmente encontrada. Sacámos novamente dos kits de reparação de furos, e aplicámos novo taco. Este não ficou "do caralho", mas ficou porreiro na mesma. Estávamos a ficar "prós" naquilo...



Tínhamos o problema resolvido, e o Ricardo finalmente conseguiu respirar de alívio. Foi nesta altura que ficou decidido que o seu cognome no fórum seria alusivo à quantidade de furos e tacos que trazia no seu pneu. E assim ficou apelidado de... bem... é ir ver. Conforme fiz questão de lhe transmitir na altura, estas situações acontecem, e são estas histórias que ficam para contar mais tarde, quando lembrarmos esta viagem.

Apesar da má vontade inicial dos tipos da oficina, agradeci a ajuda (e o compressor) e reagrupei o grupo para sairmos dali para fora em direção ao hotel que nos esperava. A distância até Oviedo era curta, e já me apetecia uma banhoca e um belo jantar.

Chegados ao Ibis em Oviedo, dei por mim inadvertidamente a fazer um tour pelo bairro circundante até desistir e optar por passar um traço contínuo para finalmente entrarmos na garagem do hotel. Fizemos o checkin e assim que chegámos aos quartos lembrámo-nos todos do porquê da versão "budget" do Ibis existir. Algumas das camas nem estavam feitas, e o pior é que nos competia a nós fazê-las. Não era problema para o nível de resiliência que todos tínhamos, pelo que pouco tempo depois já estávamos de banhoca tomada a fazer análises à urina na receção do hotel...



Numa alusão à edição anterior da viagem, percebemos que por ali também havia "tumarcos"!



A malta foi-se juntando, e as rodadas de cañas foram-se repetindo. No final, a simpática senhora do bar perguntou-nos quantas cañas tínhamos bebido porque tinha perdido a conta. O Pedro inicialmente respondeu 6, mas como o grupo era de 12, a história não pegou. Assim sendo, a conta ficou-se mesmo pelas 12... :D

Entretanto já tinha indagado acerca de restaurantes de jeito ali perto. Houve um que me pareceu interessante. O Restaurante Monte Naranco, que servia cozinha tradicional asturiana. A temperatura estava agradável e a noite apetecível, pelo que soube-nos bem ir a pé até ao restaurante. Chegámos ao restaurante, e novamente houve pronta disponibilidade para nos prepararem uma mesa.



Pouco tempo depois já tínhamos umas garrafas de cidra em cima da mesa, a melhor cidra que bebi... naquele dia. Mudei logo para cañas.



Novamente uma experiência gastronómica memorável. Entre os vários pratos que pedimos, servidos em doses extremamente generosas, a destacar aquele que o Carlos batizou de "o prato do Carlos Cruz". Um prato parecido com "cordon bleu", em que é servido um gigantesco e saboroso bife panado com queijo e fiambre, acompanhado de batatas fritas, e que na cozinha asturiana se denomina por... "cachopo".





O espírito de camaradagem era forte, e a boa disposição continuou ao longo da refeição e da noite... Já de barriguinha cheia, decidimos terminar a noite no bar do hotel, com mais umas "análises à urina" e a fazer o briefing da praxe para o dia seguinte (gabo a paciência que a malta teve para me ouvir ao longo destes dias todos...).



Lá fomos dormir nos quartos minimalistas do Ibis, para recuperar energias para o dia seguinte, que ainda não sabíamos mas seria simplesmente... do caraças!

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