terça-feira, setembro 18, 2018

Quando Aquilo Que Nos Faz Sentir Vivos Também Nos Dá Um Vislumbre da Morte…

Ano de 1996. O ano em que obtive a licença de condução de ciclomotores, que seria uma espécie primeiro degrau na escada da liberdade e da independência. A súbita capacidade de me deslocar em qualquer altura para qualquer lugar, aliada à sensação forte de andar sobre duas rodas, foi um marco importante da minha vida. Sentado pela primeira vez na minha DT 50, foi uma relação surpreendentemente natural, apesar de nunca ter andado de mota antes. E desde então vivo (à minha maneira) neste mundo do motociclismo.

Foi também no ano de 1996 que tive o primeiro contacto com o lado mais negro deste mundo. O lado do perigo, do risco, da morte. Chamava-se Ricardo, era meu amigo, e foi ele o primeiro a ensinar-me algo sobre esta face do motociclismo. Na altura, colega de escola, para ganhar uns trocos trabalhava fora de horas a entregar pizzas. Foi numa dessas noites que foi abalroado por um carro, tendo perdido a sua vida de forma trágica e abalando a vida de todos aqueles que o conheciam.

Continuei a andar de mota, mas desde então, com maior ou menor frequência, o perigo faz-se sentir presente. De cada vez que tenho contacto próximo com o metal de um automóvel ou o alcatrão de uma estrada. De cada vez que oiço histórias ou más notícias, sobre alguém que me é mais ou menos próximo... alguém que perdeu o uso das pernas e nunca mais pode andar… alguém que perdeu o uso de um braço e deixou de conseguir pegar na filha ao colo… alguém que perdeu a vida e deixou uma família entregue a si própria… tudo mexe connosco e tudo coloca em causa aquilo que fazemos e como o fazemos.

Acredito que aqueles de nós que são afortunados o suficiente para sobreviver, aprendem com cada uma destas histórias. Acredito que é esta vivência que nos molda enquanto pessoas e, no caso concreto, enquanto motociclistas. A nossa postura, as nossas ações e as nossas reações modificam-se e adaptam-se, naquilo que entendo ser um processo de evolução e crescimento pessoal. Muitas vezes já senti a minha confiança abalada e não tenho a ilusão que nada disto nos coloque a salvo de sermos nós, um dia, o protagonista de uma história também trágica. Ainda assim acho que, entre outras coisas, é a soma destas experiências que nos pode ajudar a evitá-lo.

Escrevo este texto hoje, infelizmente, na sequência de mais uma perda trágica. Um companheiro que - apesar de não conhecer muito bem - era alguém com quem partilhava já algumas coisas em comum: umas quantas conversas sobre motas, alguns quilómetros de estrada e a paixão pelas duas rodas. Espero que ele, assim como todos os que já partiram, esteja lá em cima a olhar por todos nós.

Até um dia, Alexandre.

1 comentário:

mãe disse...


Que dor que senti assim que comecei a ler o que escreveste. Não consigo descrever o que sinto sempre que vejo na estrada um acidente com motos. Fico sempre a pensar como estarás tu?
Que Deus ( ou alguém ) te proteja, sempre que andas na estrada.
Beijinho da mãe