quarta-feira, julho 13, 2022

Regresso às Viagens (Pirinéus, 13/6)

O terceiro dia da viagem seria o primeiro com o grupo completo e estávamos todos com vontade de finalmente começar a atravessar os Pirinéus. "Atravessar" seria o termo certo, já que ao longo deste (e dos dias seguintes) faríamos uma espécie de rendilhado no percurso entre Espanha e França (passando por Andorra), o que tornaria a viagem muito mais interessante do que simplesmente percorrer a habitual rota transpirenaica que a maioria da malta faz. Cortesia dos nossos expatriados do grupo, que já conhecem aquilo de trás para a frente. O plano para o dia incluía cerca de 350 kms de estradas cuja qualidade se revelaria logo nos primeiros troços percorridos...


Começaríamos o dia com um pequeno-almoço rápido no café/restaurante Viena junto ao nosso hotel B&B (que em vez de "bed and bath" deveria querer dizer "bom e barato", ainda que sem pequeno almoço incluído) e logo tratámos da arte de albardar as burras, para seguir viagem. Por esta altura o Rui já só falava de "isto, aquilo e aqueloutro".


Os primeiros metros de estrada seriam recheados de curvas logo até à primeira paragem em Portbou. Era impossível não parar neste local para observar a paisagem e bater umas chapas do mar, das motas e dos feiosos, tudo com o enquadramento certo...




Esta seria a primeira de 4 travessias fronteiriças que faríamos naquele dia e pelo que víamos até ao momento, a coisa prometia. A partir dali faríamos mais alguns kms a acompanhar a costa francesa até começarmos a rumar mais em direção a oeste. Rapidamente chegaríamos à segunda travessia fronteiriça, parando no Col d'Ares para admirar a paisagem.

 

"Col" significa passagem de montanha, e esta seria uma de muitas que percorreríamos ao longo dos vários dias de viagem. Esta passagem tem relevância histórica relacionada com a guerra civil espanhola.


Neste local em particular, veríamos o primeiro "calhau" digno desse nome, da viagem. Um monumento com a representação de um olho, com a seguinte transcrição originalmente escrita em Catalão:

"Aos republicanos espanhóis, civis e militares; aos que atravessaram o Col d'Ares em janeiro-fevereiro de 1939. A Retirada: Epílogo de um drama humano, sem precedentes na História. É aqui que as dores de uma guerra terminam e as de um exílio que desterra começam! Que a amargura de uma saudade não faça perder a esperança! Prats Endavant, Set. 2002”


A paisagem, o percurso traçado e o bom tempo convidavam a seguir viagem. Por isso era altura de deixar de olhar para calhaus e fazermo-nos à estrada.

Quando tratei da minha logística para a viagem, achei que ir para os Pirinéus era coisa que justificava roupa mais quente. Nada faria antever que iríamos fazer a viagem numa das semanas mais quentes do ano, em que praticamente todos os dias iríamos rolar debaixo de temperaturas na casa dos 40 graus. Este primeiro dia não era exceção, por isso sentíamos a necessidade da hidratação pontual para o bem estar físico de todos...


O Rui fazia questão de meter conversa com tudo e todos. Desta feita resolveu importunar um pobre canito... um galgo escanzelado e tão ou mais feio que ele, que se fazia acompanhar pelos donos e que lá teve de levar umas festas das manápulas do espanhol. Até para se ser cão é preciso ter sorte.

Os kms continuavam a ser alegremente percorridos, o calor continuava a subir e a fome começava a dar sinal, pelo que parámos num spot já conhecido do Michel: o Ca La Paquita em Olot. Deixámos as motas à sombra (pelo menos à hora que estacionámos porque quando saímos já estavam a ferver ao sol) e fomos ver da já merecida bucha.



A parte gastronómica da viagem continuava a ser top e a fazer jus ao resto da experiência. Tenho a convicção que o dobro dos dias a andar de mota por aquelas bandas faria de mim um obeso e teria de voltar para casa num sidecar, atrelado ou algo semelhante. Mas para já seguia saboreando os "primer y segundo" que me punham à frente sem grande peso, pelo menos na consciência.


O calor era realmente abrasador e mais abrasivo era o alcatrão que com ele devorava a borracha do meu pneu da frente a olhos vistos. Rapidamente percebi que não me iria escapar ao mau olhado que o Pedro me lançara logo no início da viagem e comecei a pensar que teria de fazer uma paragem para substituir o pneu que teimosamente não tinha trocado em Portugal.

Próximo do final da tarde fizemos uma paragem numa oficina que estava fechada. Enquanto esperávamos que abrisse (o que nunca veio a acontecer) aproveitámos para fazer uns telefonemas para outras oficinas alinhadas com o percurso que ainda tínhamos pela frente e comecei a temer não arranjar um pneu decente, ou um pneu de todo, para montar. Numa derradeira tentativa lá contactámos uma oficina que confirmou ter o pneu que eu queria, mas teria de chegar lá antes das 18h30 para que o montassem. Pedi para me guardarem o pneu sem sequer perguntar o preço (tinha para mim que, sendo a oficina em Andorra, teria de vender um rim para o pagar) e seguimos viagem em modo papa-léguas para não falharmos. E assim foi.


Mal cheguei à oficina Rilei em Andorra, mandaram-me entrar e puseram-me a mota nos cavaletes, já com o pneu da frente totalmente slick. Tratei de tudo com o dono da oficina falando com ele em castelhano, para no final da conversa perceber que era um português de seu nome Jorge. As instruções para chegar ao café mais próximo e beber umas cañas enquanto esperávamos pela montagem do pneu já foram dadas na língua de Camões. Surpresa das surpresas, não tive de vender qualquer orgão do meu corpo porque o pneu foi vendido a um preço mais que razoável, pelo que logo houve malta invejosa já a pensar que também seria boa ideia mudar pneu...


Mas não tínhamos viajado de tão longe para andar a fazer manutenção às motas. E como a situação ainda que desafiante até se tinha desembrulhado rápido, depois de montado o pneu ainda fomos ver as vistas conforme tínhamos inicialmente programado.

No meio disto tudo, o tempo que estivemos parados foi aquele em que caiu uma chuvinha que já não chegámos a apanhar. Subimos no entanto com precaução até Port d'Envalira, a 2408m de altitude, para evitar fazer asneira, sobretudo com um pneu novo cheio de goma a rolar em estrada molhada.



E como não queríamos deixar nada por ver, dali fomos ao miradouro do Canillo, um local impressionante com uma vista a pique para o Collent de Montaup.



Ainda só tínhamos encontrado um português desde que chegáramos a Andorra, pelo que ali foi o sítio certo para encontrar outro, também de mota, que logo aproveitámos para nomear fotógrafo de uma chapa em grupo.

 

Entretanto a estrada já estava quase seca, pelo que era boa altura para ir tratar do checkin no hotel Garden Andorra, onde pernoitaríamos, e começar a pensar na parte gastronómica. A descida foi animada por boas curvas que apanhámos novamente em direção ao centro de Andorra por onde já tínhamos passado.

Infelizmente dado o avançado da hora a que nos despachámos do checkin, banhoca, etc., os restaurantes nas proximidades estavam todos fechados ou prestes a fechar. Uma pesquisa rápida no amigo Google e apareceu-nos um que talvez salvasse a noite, pelo que fizemos um passeio noturno até ao El Raim, onde uma simpática senhora nos atendeu sem qualquer problema. O restaurante tinha boa pinta e percebia-se que a especialidade eram as carnes grelhadas, pelo que praticamente só foi necessário escolher o vinho para acompanhar...


Já de fome (e sede) saciada, agradecemos à simpática senhora que nos atendeu já um bocado fora de horas, que sozinha deu conta do nosso jantar na grelha e ainda assim nos atendeu super bem.

 

Fizemos o caminho de volta para digerir o jantar (desta feita como o Rui não estava responsável pela navegação, percorremos a distância normal) e voltámos ao hotel para descansar de um dia longo e que - graças a mim - nos tinha apresentado alguns desafios de logística que por fim foram ultrapassados da melhor forma e com o espírito de grupo e camaradagem com que já sabemos podemos contar.

1 comentário:

mãe disse...

Como sempre, experiencias que te vão ficar para a vida.
Fico sempre na espectativa destas tuas "reportagens" que me levam a viajar contigo.
Obrigada por isso.
Beijinho da mãe, que fica sempre a pedir AJUDA, para que tudo corra bem.