domingo, julho 10, 2022

Regresso às Viagens (Pirinéus, 11/6)

As saudades de abrir asas e a vontade de viajar de mota por terras mais distantes há muito que se vinha a intensificar. As paranóias pandémicas foram limitando a nossa liberdade e para quem preza sentir-se livre, como eu prezo, não poder fazer aquilo que mais gostamos é um preço demasiado alto a pagar. Felizmente este ano houve finalmente oportunidade de recuperar algum do tempo perdido e a viagem que passo a relatar foi um dos pontos altos nesse sentido.

Há cerca de um mês atrás, os feriados de junho deram o mote e com apenas 3 dias de férias conseguiu-se delinear um plano de 9 dias a rolar por estradas lusas, espanholas e até francesas. O objetivo? Percorrer os Pirinéus. A companhia? Partiria de terras lusas com um bom amigo e companheiro de estrada, mas alguns dos camaradas com quem faria o resto da viagem vivem por terras de nuestros hermanos, pelo que a própria ida (e volta) até ao seu encontro, já seria boa parte da aventura.

Este é o relato desse início de viagem não menos mítico que os restantes dias que teríamos pela frente ao percorrer os Pirenéus de uma ponta a outra.

O plano foi delineado cuidadosamente com recurso à sapiência, experiência prévia, informação privilegiada, conhecimento ancestral… facilmente obtenível por qualquer um a partir do Google Maps. A rota traçada era mais ou menos isto, até porque normalmente sai qualquer coisa ao lado.



Eu tive de fazer uma viagem antes do dia da partida, não saindo por isso de Lisboa, pelo que o ponto de encontro com o Pedro seria nas bombas do Couço, pelas 8h.



Eu cheguei primeiro e logo a seguir chegou o Pedro com uma notícia trágica… esta viagem começaria com uma tragédia do pior tipo: um falecimento.



Fizemos o nosso momento de luto… e logo a seguir o Pedro removeu os restos mortais da carcaça de um pardal que ornamentava a lateral direita da sua ventoinha, com um pau.

Abrimos as hostilidades das “selfies” que iriam ser uma constante ao longo da viagem, tomámos um cafezinho e fizemo-nos à estrada com ganas (sem no entanto esquecer que não se devem ultrapassar traços contínuos nas barbas da GNR de Estremoz - um episódio anterior, a não repetir).



A primeira paragem para abastecimento seria em Badajoz como manda a regra. Não comprámos caramelos porque ouvi dizer que o combustível está muito caro, que o dinheiro não chega para tudo e que há que definir prioridades. No meu caso, consegui fazer esta viagem porque não comi um único caramelo enquanto rolámos durante estes 9 dias. Foi duro, mas valeu a pena.



Nesta altura o Pedro começou a armar-se em ave agoirenta, a olhar para o meu pneu da frente com malícia, a escarnecer da condição da borracha e tal… mas eu disse-lhe que ele estava mas era armado em mariquinhas e mandei-o dar uma curva. Ele acabaria por dar várias ao longo desta viagem.

Depois de abastecer e olhar de relance para um saquinho de caramelos que o demónio colocou mesmo ali para me atentar, voltámos à estrada porque a distância a percorrer no primeiro dia ainda nos deixava atentos às horas, mesmo que pouco.

Mais uns quantos kms percorridos e a necessidade de abastecer juntou-se à necessidade de comer. Felizmente encontrámos as duas coisas no mesmo sítio: na povoação de Don Rodrigo, em Cidade Real.



O restaurante “escolhido” (aquele que por mero acaso estava em frente às bombas) foi o El Pilar. Como ainda faltavam uns minutos para as 13h, mandámos vir umas cañas para abrir as hostilidades, ao que nos deixaram abancar de imediato e fazer o nosso pedido.

Entrámos em modo gastronómico espanhol, com direito ao menu com “primer y segundo”, modelo que nos acompanharia na maioria das refeições que faríamos nos dias seguintes.



O Pedro estava tão entusiasmado com a refeição, que depois de muito escolher entre o vasto leque de opções de sobremesa... saiu-lhe na rifa um corneto da Camy. Ainda assim correu-lhe melhor que uns japoneses na mesa ao lado que acabaram por comer uma merda qualquer ao calhas, já que os espanhóis são sobejamente conhecidos pelas suas capacidades linguísticas e se esforçam imenso por se fazer entender.

Mas não estávamos ali (só) para comer, pelo que tínhamos de voltar à estrada. Por esta altura já fazia um calor do caraças e o meu pneu da frente começou a padecer em virtude do mau agoiro do Pedro, esfarelando-se em bocados de borracha no alcatrão a ferver sempre que lhe era dada essa oportunidade… não fora este mau olhado e tudo teria corrido bem nesta viagem, mas um gajo nem sempre pode escolher com quem viajar.



Na paragem seguinte deu para nos distrairmos um pouco, quer com uma jeitosa que dava água fresquinha a um canito, quer com uma família de marroquinos que entrou pelas bombas adentro e levou um pino consigo debaixo do carro como se nada tivesse acontecido.

Quem faz uma viagem de mais de 800 kms de mota num dia, sabe que a maioria das paragens são feitas em estações de abastecimento, sobretudo quando vão acompanhados de alguém como eu, que tem uma mota com um depósito do tamanho de um copo de shot…



Mas nem sempre foi assim. O Pedro lembrou-se que trazia um saco de amendoins a que era preciso dar despacho, pelo que as cañas seguintes tiveram dois acompanhamentos diferentes.





Dado o primeiro desbaste ao saco dos amendoins, estávamos finalmente próximos do local de pernoita: a Hosteria La Barbacana, em Teruel. O local foi fácil de encontrar e aparcar quase à porta não foi tema. Soube-nos bem parar as motas por aquele dia e aproveitar a envolvente.





Tramacastiel, onde ficámos, é uma pequena povoação situada num beco sem saída no meio de um vale. Para entrar e sair dali tem de se percorrer a mesma estrada curvilínea até chegar à via principal. A configuração da povoação é sui generis e existe muito pouco que ver além da hospedaria onde ficámos, das levadas de água que entram e saem de algumas casas e da decoração peculiar que encontrámos ao longo das ruas da povoação.



Bebemos mais umas cañas enquanto a nossa simpática anfitriã tratava do nosso check-in. Relaxámos um bocado da viagem na esplanada mesmo em frente e depois seria tempo de nos alimentarmos com um excelente jantar no mesmo local (mais um “primer y segundo”).



O jantar correu bem, mas quando tentámos passar à parte dos digestivos lá nos deram a provar umas merdas licorosas e uma bagaceira reles, completamente ao lado do que pretendíamos. Os espanhóis não sabem o que é uma aguardente de jeito. Bebemos whisky.

Este dia tinha sido longo e o seguinte não seria muito diferente, pelo que depois de umas voltas a observar aquela terra e as suas peculiaridades, era tempo de descansar.



1 comentário:

mãe disse...

Fico sempre tão feliz por ti!!!
E quando tudo corre bem...
Beijinhos da mãe, que segue estas tuas aventuras, com muito medo, mas ao mesmo tempo, feliz, porque sei que te dão muito prazer
E como sempre te digo, a vida não pode ser só trabalho.
E tudo passa tão depressa