segunda-feira, abril 01, 2013

Paradoxo da Vida

Por vezes acontecem situações na nossa vida que nos fazem pensar naquilo que andamos cá a fazer. Não falo de pensamentos existenciais ou filosóficos profundos, mas sim de objectivos práticos daquilo em que transformamos a nossa vida. Por vezes acontece pensarmos que andamos a fazer tudo errado. Hoje é um desses dias. Acho que falhei individualmente e que falhei colectivamente na perspectiva da sociedade em que me insiro. Não significa isto que esteja com uma perspectiva derrotista e depressiva da vida, mas simplesmente o meu cérebro reposicionou-se e está direccionado num sentido diferente daquele que estava há dois ou três dias atrás. O falhanço a que me refiro? Pensem no seguinte: passamos actualmente grande parte, ou reformulando, a maior parte da nossa vida a trabalhar (é certo que uns mais, e outros menos). Falando por mim, diria que dispenso algo como 70 a 80% do tempo que passo acordado a trabalhar, sendo que por vezes o meu cérebro arrasta alguns temas que deveriam ficar fechadinhos à chave nestes 80% para os outros 20%, o que só agrava a situação. O objectivo inicial das pessoas que como eu conduzem a sua vida neste sentido, é o de criar condições materiais que cumpram com aquilo que são os requisitos do que consideramos ser uma boa qualidade de vida. Isto passa por ter dinheiro para fazer várias coisas, para adquirir várias coisas ou para ter a segurança de poder subsistir a uma qualquer eventualidade ou acontecimento imprevisto. O engraçado é que este nosso esforço contribui na prática para o oposto. Isto é, ao ocupar 80% ou mais do nosso tempo com trabalho, e não podendo isto ser algo que simplesmente optemos por não fazer neste ou naquele dia, semana ou mês, está criada uma dependência cíclica em que trabalhamos mais e mais, deixando cada vez menos tempo para tudo o resto. Delegamos assim sistematicamente a responsabilidade de criar e educar os nossos filhos em estranhos, que serão pagos com o resultado desse nosso hercúleo esforço. Delegamos assim a responsabilidade de cuidar dos nossos pais ou avós noutros estranhos, que serão igualmente pagos com o resultado do mesmo esforço. E um dia chegará o momento em que nós próprios estaremos fadados ao mesmo destino, quando os nossos filhos seguirem as nossas pisadas e uma vez embrenhados nesta cultura e sociedade esclavagista moderna, fizerem exactamente o mesmo tipo de esforço hercúleo por nós... O triste no que acabo de descrever é que todos percebemos que as coisas são assim. Pais, filhos, netos... todos têm uma consciência resignada deste círculo vicioso sem aparente resultado ou solução à vista. Como não sou melhor nem pior que ninguém, incluo-me a mim próprio nesta sociedade, nesta cultura e neste círculo vicioso. Uma coisa sei no entanto: agora e aqui, tenho uma consciência muito clara disso. Agora e aqui, não sei o que fazer. Gostava que o agora e aqui fossem mais tarde, para eu ter mais tempo para pensar. Gostava de ter pensado nisto antes, porque achei que não pensar nisso faria magicamente com que isso não acontecesse... mas como acredito que as coisas podem ser diferentes, vou pensar nisso a partir de hoje. E se tenho já uma lista que comecei a escrever há alguns meses, com várias coisas que quero e vou fazer, esta passará a ser uma delas. Comecei este texto a falar de falhanço, mas algumas das mentes mais iluminadas que conheço actualmente, dizem em coro que os falhanços não existem, existem apenas resultados. E se o resultado das coisas que fazemos não é o que queremos, só temos de fazer coisas diferentes para obter resultados diferentes.

Sei que não me lêem, mas este texto deve ser interpretado como um beijo e um abraço muito especial para os meus queridos avós, que vivem o momento mais duro e difícil de todas as suas vidas, contando apenas um com o outro e com a ajuda possível que nós, filhos e netos, lhes podemos dar e que é infinitamente pequena comparada com aquilo que nos foi dado durante uma vida inteira. Deve ser igualmente interpretado como um beijo e um abraço (e, muito importante, NUNCA como uma crítica!) para os restantes filhos e netos, que tal como eu, do fundo do seu coração, estão realmente a dar o seu melhor... ainda que nos pareça infinitamente insuficiente.

Avô, avó... amo-vos muito.

2 comentários:

ACCM disse...

A verdade é que a vida é uma sucessão interminável de escolhas e tomadas de decisão, tendo por objectivo o alcance dos melhores resultados possíveisno futuro, mas escolhas e tomadas de decisão que são tomadas no momento, considerando as condições do momento. Entre esse instante (passado) e aquele em que os objectivos são avaliados, já não como objectivo mas como resultado, muita coisa acontece, o que altera todas as premissas que então teriam sido colocadas em análise.
Isto para dizer que momento a momento as condições de vida alteram as regras do jogo.
Quando há decadas atrás as famílias eram constituídas por um número alargado de membros, vivendo todos numa proximidade geográfica, era mais simples (até em termos de capacidades físicas) cuidar de um dos seus. Hoje, mesmo quando a família é composta por mais elementos, na generalidade estes estão dispersos tornando limitado o auxílio que só a proximidade física pode permitir. É aí que é imperativo recorrer a organismos que congregando meios possam acudir a problemas que são cada vez mais comuns a um maior número de indivíduos. E não adianta pensarmos que poderia ser de outra forma, porque no fundo e por trás desta situação lá estão as escolhas e as tomadas de decisão decididas há anos atrás.
Há trinta e tal anos atrás tomei a decisão de viver num terceiro andar sem elevador...
beijinhos
Pai

mcaa disse...

Só te posso dizer que sei muito bem o que estás a sentir.
Quem me dera ter alguma possibilidade de minimizar o sofrimento porque estão a passar os meus pais e teus avós e na sequência disso o meu próprio sofrimento.
A dor que sinto neste momento é quase insuportável. Só espero que o tempo me ajude e os ajude a eles, já que eu não sei como. Precisamente por tudo aquilo que tu descreves.
Estamos sempre à espera do milagre de não nos bater à porta a nós e não termos que tomar decisões tão dolorosas.
Eles que tanto deram aos filhos e netos(e eu agora não tenho nada para lhes dar, só um grande amor).
beijinhos
Mãe