domingo, novembro 11, 2012

Nomeação por Email

Recebi no início de Novembro a seguinte missiva da parte da Autoridade Tributária e Aduaneira:

Exmo. Senhor
Nº CONTRIBUINTE
NOME COMPLETO

Assunto: Incentivo à exigência de fatura


A partir de 1 de janeiro de 2013 será obrigatória a emissão de fatura por todas as vendas de bens e serviços mesmo quando os particulares não a exijam.

Quando é emitida fatura, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) garante o controlo e a cobrança do IVA correspondente. Se a fatura não for emitida esse controlo é impossível.

Se todos exigirmos fatura em todas as aquisições que efetuamos conseguiremos:

- Aumentar a riqueza conhecida que Portugal produz (PIB);
- Aumentar as receitas fiscais, sem pagarmos mais impostos;
- Aumentar a equidade e justiça entre todos os contribuintes portugueses;
- Diminuir o défice orçamental e criar condições para uma redução futura da carga fiscal;
- Criar melhores condições para que o nosso país possa ultrapassar com rapidez a fase díficil em que se encontra.

Quando não exigimos fatura contribuímos para:

- Aumentar a evasão fiscal e enriquecer ilicitamente aqueles que não pagam impostos;
- Diminuir a receita fiscal, que é uma riqueza de todos os portugueses;
- Prejudicar com mais impostos os contribuintes cumpridores.

O seu papel é decisivo. Exigir fatura não tem custos. É um direito e um dever de todos. E todos ganhamos. Portugal e cada um de nós.

Em breve receberá mais informação acerca dos benefícios fiscais (até € 250) que serão proporcionados a quem exige fatura.

Com os melhores cumprimentos.

O Diretor-Geral,
José António de Azevedo Pereira

Ocorre-me dizer o seguinte sobre esta missiva:

1. Durante a minha vida enquanto militar, retive várias expressões interessantes que fui ouvindo. Uma delas foi que "as pessoas têm nomes, as bestas é que têm números", como tal agradecia ao exmo. sr. dire(c)tor-geral que de futuro se refira à minha pessoa de outra forma que não "exmo. sr. 12345678".

2. O sr. dire(c)tor refere na sua missiva que só perante o pedido e emissão de factura, a autoridade tributária conseguirá fazer o "controlo e cobrança" do IVA. Significará isto que todos os serviços de inspecção das finanças serão extintos a partir de 2013? Sempre julguei que este tipo de "controlo" era também uma das suas responsabilidades...

3. Sugere ainda o sr. dire(c)tor que pela exigência da factura iremos conseguir aumentar o PIB, o que é deveras fascinante uma vez que a consequência mais conhecida do aumento da carga fiscal (que antecede esta missiva) é a diminuição do poder de compra, resultando numa quebra significativa do comércio, resultando num aumento do desemprego, resultando no empobrecimento da nação... Se o sr. dire(c)tor puder explicar melhor esta sua visão no próximo email que me enviar, agradeço.

4. Desconheço qualquer tipo de vínculo contratual da minha parte, perante a função pública (pelo menos ainda não me apercebi de tal no meu vencimento mensal), e portanto irei educadamente declinar a proposta de fazer o trabalho "pro bono" dos serviços das finanças acima mencionados.

5. Aparentemente, e após todo um discurso quase patriótico sobre os direitos e deveres dos cidadãos, o sr. dire(c)tor acaba por deixar uma "nota" dobrada dentro desta missiva. É alias este o retrato de toda uma nação, em que a maioria das coisas se faz ainda hoje à laia de subornos, contrapartidas ou vantagens: quem quiser fazer parte deste movimento fiscal, poderá auferir até 250 euros anuais, o que significa que ganhará por dia 0,69 euros. Deixem-me reformular... paga-se menos 0,69 euros de imposto por dia!

Os meus parabéns a quem quer que tenha escrito esta missiva aos contribuintes, não só pelo conteúdo, mas também pela forma (já que o fizeram numa nova linguagem que até o meu corrector ortográfico desconhece). Após ter recebido este email, só não o classifiquei como spam, porque agora o correio electrónico é já a forma de comunicação oficial das finanças, com os contribuintes... e tenho receio de um dia ter a casa penhorada porque me esqueci de ver o mail. Gostava no entanto de chamar vários nomes ao sr. dire(c)tor, mas creio que se o fizesse não perceberia, porque eu ainda não escrevo conforme previso no mais recente acordo ortográfico...

Cordialmente,
Sr. 12345678

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