domingo, março 20, 2022

Mentalmente...

Sentirmo-nos bem connosco e com os outros.
Sermos capazes de lidar de forma positiva com as adversidades.
Termos confiança e não temermos o futuro.

Mente sã em corpo são.

Segundo a ABEB esta é uma definição de "saúde mental", um termo que nos últimos anos passou a estar na moda, mas que aparentemente ainda ninguém sabe ao certo do que se trata nem dá a devida importância. Mas devia.


Nunca foi tão evidente, no contacto com família, amigos ou colegas de trabalho, a gravidade deste problema, e o pior é que a maioria das pessoas nem se apercebe de que isto é efetivamente um problema, logo pouco ou nada faz para se defender e se proteger. Temos todos uma palavra a dizer naquilo que deixamos entrar na nossa mente, na forma como o interpretamos e no efeito que isso possa ter em nós. É no mínimo redutor viver a vida de forma passiva como meros recetores da informação que alguém decide enfiar-nos pelos olhos e ouvidos adentro.

Existe uma tendência para o exagero, a dramatização, o alarmismo, o pânico generalizado, que resulta do somatório de todos os meios de comunicação, redes sociais e conversas polarizadas que preenchem o nosso dia-a-dia. Aquilo que as pessoas parecem esquecer, é que esta forma de "comunicação" e "informação" a que temos acesso deturpa a realidade e no final coloca-nos a todos num ponto onde, em situação normal, ninguém gostaria de estar.

Devia ser tempo de dizer basta! Cada um de nós individualmente, devia ser capaz de filosofar um bocadinho. Desligar-se por uns minutos do dia do resto do mundo e simplesmente falar com os seus botões. Pensar, raciocinar e (expectavelmente) chegar a conclusões lógicas sobre esse raciocínio que lhe permitam lidar melhor com o passado, presente e sobretudo, o futuro.

Os eventos recentes deviam ser suficientes para perceber que mesmo uma pandemia como a COVID-19 não foi suficiente para acabar com o mundo, e que apesar de todas as situações trágicas que ocorreram e que tocaram quase toda a gente de forma direta ou indireta, de facto a maioria de nós ainda por cá está para contar a história. Qual é então o motivo para o declínio na saúde mental das pessoas resultante do acontecimento da COVID-19 adquirir agora uma dimensão maior e mais problemática do que o acontecimento em si?

Eventos ainda mais recentes serão uma oportunidade que teremos para combater este declínio ou acentuá-lo ainda mais. Parece-me que estamos a seguir pelo segundo caminho, mas gostaria de assistir a uma inversão e ver a opção pelo primeiro.

Há mais de 10 anos atrás participei num evento durante cerca de 3 dias, do qual retive algumas aprendizagens que até hoje vou relembrando pontualmente e tento não esquecer. Uma delas, é perceber que há coisas que posso influenciar através da minha ação direta e que, em oposição, há outras que não. A segunda parte deste raciocínio, é uma constatação óbvia: se há coisas para lá do meu controlo, de que serve preocupar-me e martirizar-me por elas? Não será um exercício muito mais produtivo focar a minha energia e atenção nas coisas que posso efetivamente mudar? Será que, para além do efeito negativo que tem em mim a preocupação sobre um problema que será sempre impossível de conseguir resolver e consequentemente tem o potencial de me atormentar e frustrar para sempre, esse foco não está a desviar a minha atenção de tudo o resto? Do meu trabalho, da minha família, dos meus amigos, da minha saúde?

Exemplo prático: devo viver aterrorizado, angustiado e deprimido com os perigos e os efeitos de uma guerra além-fronteiras que, por muito dramática e trágica que seja, ainda não colocou a minha vida e a daqueles que me são próximos em risco, e sobre a qual pouco mais posso fazer do que ajudar aqueles que mais vão precisar? Mesmo que nos venha a afetar diretamente no futuro, deve ser uma preocupação a ter já nos dias de hoje? Não advogo a indiferença, mas sim a consciência de que aquilo que podemos influenciar neste contexto tem limites e que existem acontecimentos e momentos certos para deixarmos a nossa preocupação manifestar-se.

Porque é que temos então esta tendência para nos focarmos no drama, na tragédia e no impossível, em vez de darmos atenção a tudo de bom que nos rodeia e que pede igualmente a nossa atenção? Ou temos dúvida que podemos ter um sentimento de realização por dedicarmos mais tempo a fazer o que temos para fazer? Ou a dar atenção aos nossos pais e aos nossos filhos? Ou a estar mais tempo com os nossos amigos? Ou a praticar desporto e comer de forma saudável? O que causa este desequilíbrio?

A minha resposta é que não sabemos dizer "não". Estamos demasiado habituados a que nos digam o que temos que fazer, aquilo que devemos pensar. Não questionamos as coisas de uma forma efetiva, simplesmente assumimos uma posição sobre um determinado tema, muitas vezes mal fundamentada e tendo por base informação deficiente, e defendemos essa posição como se a nossa vida dependesse disso. Não abrimos mão de ter uma opinião vincada sobre tudo em detrimento de querer saber mais e assumir que poderíamos estar errados sobre algo. E todos nós sabemos que uma opinião é tão mais vincada quanto o dramatismo e a veemência que incutirmos no nosso discurso.

É tempo de baixarmos o nosso próprio volume. É tempo de desligar a televisão ou pelo menos mudar de canal. É tempo de escolher ver um filme alegre em vez de notícias trágicas requentadas. É tempo de ouvir música em vez de gritos e lamentos. É tempo de ir para a rua respirar ar puro em vez de nos encerrarmos em casa em isolamento. É tempo de conversar com alguém em vez de falar para alguém. É tempo de sairmos do lugar do passageiro, sentar no lugar do condutor e dirigirmos a nossa vida na direção certa.

 

A quem possa interessar, deixo aqui um link para o Kit Básico de Saúde Mental, disponível no site www.manifestamente.org


2 comentários:

António Maria disse...

Concordo plenamente! Ou por outras palavras, eu não diria melhor (e também não diria diferente)! É como dizia o povo na sua infinita sabedoria (quando tinha sabedoria), "o que se pode remediar remedeia-se, o que não tem remédio, remediado está"!
Beijinhos
Pai

Parapeito disse...

Gostei muito do que li.
Concordo.
"É tempo de conversar com alguém em vez de falar para alguém.
É tempo de sairmos do lugar do passageiro, sentar no lugar do condutor e dirigirmos a nossa vida na direção certa."
Brisas doces *