quinta-feira, outubro 03, 2019

Passeio pela Serra da Freita - Dia 1

A ressaca de uma voltinha maior de mota já se fazia sentir há algum tempo, por isso foi com muito pouca vergonha que me colei ao Diogo e à Cátia quando me falaram no passeio que tinham planeado na Serra da Freita e arredores. Sendo uma zona que conheço pouco, a expectativa ainda foi maior. E foi com essa expectativa que me levantei cedo a um sábado, para pegar na "mijona" (a.k.a. Hayabusa) e fazer-me à estrada em direção ao ponto de encontro: as bombas da Repsol do IC2, em Leiria. A partir daqui, o plano era mais ou menos este:


 Cumprimentos e abastecimentos feitos, lá saímos das bombas, percorrendo o IC2, enquanto o nevoeiro se dissipava e a estrada melhorava. O sol foi aquecendo e os pneus também, até que a fome que se fazia sentir nos levou a parar de forma improvisada numa praia fluvial que nos apareceu à frente. Estávamos a cerca de 5 kms de Águeda, na Praia Fluvial de Bolfiar, e aqueles foram os melhores cachorros quentes que comi naquele dia (e sobretudo com aquela paisagem de fundo).



Uma senhora que parecia usar uma máscara de barro, e que tinha uma pintura estranha na cara, como se tivesse pintado umas sobrancelhas por baixo dos olhos, com um look algures entre o egípcio e o alucinado, foi-nos servindo simpaticamente, até que já com a barriguinha cheia, decidimos seguir viagem em direção a Albergaria.


O objetivo era apanhar e percorrer a estrada N16, mas chegados a um cruzamento, vimo-nos barrados por um GNR que nos interpelou explicando que a estrada estava cortada mais à frente para reparação do pavimento. O agente, ao olhar para o estado do pneu da frente do Diogo, esboçou um esgar maléfico de quem pensa: "é que lixava-te já aqui...". Felizmente se o pensou, não o fez. Muito pelo contrário. Também devia andar de mota, porque recomendou-nos um desvio por uma sequência de terriolas, terminando com um "e por aí a estrada é assim, 'tá a ver?", enquanto desenhava um serpentear no ar com a mão. Percebemos que nos estava a recomendar umas curvinhas porreiras, até podermos retomar a N16 mais à frente, e seguimos o conselho.

Fizemos assim o percurso desde Valemaior, passando por Ribeira de Fráguas, até Sever do Vouga. Ainda antes de regressarmos À N16 era tempo de abastecer, pelo que parámos numas bombas de gasolina onde fomos imediatamente atendidos por um tipo com um ar esgrouviado que meteu logo conversa connosco...

- Gasolina simples? Isso é gasolina que aqui não se gasta!
- A gente aqui topa quando a GNR 'tá lá à frente, e liga para a malta das motas que costuma aqui vir...
- Ducatis... malta das Ducatis...


Quando perguntámos acerca do caminho que tencionávamos percorrer, recebemos a resposta de imediato:

- Eish! C'um caralho... foda-se! Vocês não vão por aí... isso é cheio de curvas! 25... 30 kms/h no máximo! Até de carro é lixado! O melhor que fazem é voltar para trás e apanhar a autoestrada...

Ouvimos atentamente os conselhos daquele sábio com um olho maior que o outro, e tentámos fazer exatamente o oposto de tudo o que nos recomendou. Certamente batizou-nos de "tenrinhos das planícies"... Mais à frente retomámos a N16 em direção a Oliveira de Frades, onde iríamos fazer mais uma paragem. O calor já se fazia sentir, pelo que vieram umas imperiais dignas de foto parar à nossa mesa. Imperiais não... finos! Ah, e ainda tivemos uma rodada de borla!




Quando percorríamos a estrada em modo passeio já próximo de Vouzela, tive mais um episódio daqueles que só a mim acontecem... em pleno andamento e com a viseira do capacete aberta, levei uma bordoada do que pareceu um pau ou uma pedra, que me acertou em cheio na bochecha esquerda e até me fez ganir. Aguentei a pancada, até que de repente comecei a sentir algo mexer no interior do capacete. Percebi de imediato que tinha ali um bicharoco qualquer, que trepava pela minha cara acima. Tentei manter o sangue frio e encostei a mota, enquanto via já umas patas de um bicho que tentava sair de dentro do capacete. Assim que tirei da forma mais calma possível o capacete da cabeça, deparo-me com uma gigantesca vespa asiática, conforme mais tarde viria a confirmar ser. Nunca tinha visto nenhuma ao vivo, e não tirei fotos daquela, mas era mais ou menos assim:


O Diogo fez a cortesia de a esborrachar, enquanto olhávamos boquiabertos e em silêncio um para o outro. Acho que deixei escapar uma gotinha enquanto pensava no que me podia ter acontecido. Seguimos caminho.

Para não variar, perdemo-nos ao tentar dar com o cruzamento que nos levaria finalmente em direção à Serra da Freita. Aqui a paisagem mudou novamente, e o sol baixo do final de dia dava um encanto especial ao que íamos vendo. Seguimos em direção à Póvoa das Leiras, uma pequena aldeia com meia dúzia de pessoas, uma dúzia de espigueiros e muito gado bovino, onde teríamos o nosso alojamento à espera: a Casa da Leira Pereira.



Ligámos ao Sr. Armando... não atendeu. O vizinho em frente logo meteu conversa connosco e partilhou os contactos do filho do Sr. Armando... e para o caso de o filho não atender... partilhou também o contacto da filha. Ligámos para toda a gente, e lá se chegou à fala, tendo o Sr. Armando vindo ao nosso encontro passados poucos minutos.




Uma visita guiada rápida pela casa de pedra escondida por detrás de uma latada de uva morangueira, com uns quartos apelativos a uma boa noite de descanso e uma vista magnífica para a serra mesmo em frente. Tudo tratado... "amanhã deixo-vos aqui pãozinho"... e toca de ver onde jantar. A sugestão do Sr. Armando era boa, tivessem lugares para nos atender, pelo que o restaurante mais próximo (e disponível) implicava fazer 20 kms pela serra (o que fizemos, e valeu a pena).

O jantar foi no Restaurante Mira Freita, e o prato escolhido por todos foi cabrito (já bem apuradinho, desde o dia anterior). A simpatia do empregado fez-nos ignorar o facto de gostar de fazer torres de loiça perigosamente empilhada... de se cuspir todo enquanto falava... de ter tombado uma das sobremesas que nos ía servir... e de ter entornado uma cerveja para cima do capacete do Diogo. Tirando tudo isto, até era porreiro.


Depois da barrigada de kms e de cabrito que já tínhamos em cima, não apetecia muito fazer outros 20 kms de volta a casa, mas não havia outra hipótese. Fomos abastecer-nos de umas garrafinhas de Favaios no café da frente, que a Cátia guardou no seu "porta couves", para levarmos para o nosso alojamento e fazer um brinde antes de dar o primeiro dia por terminado. O dia seguinte... prometia, mas agora era tempo de dormir.

1 comentário:

mãe disse...

Bem... é o que eu sempre sinto. Tens mesmo o dom da escrita e da palavra. Até me arrepiou a tua discrição, positiva e negativa também. A positiva é porque pela tua narrativa da viagem tenho o sonho que estou a viajar contigo, é espectacular a forma como descreves a tua viagem. Negativa , porque pensei no que deves ter sentido com a situação da vespa asiática. Porque como tu sabes fui mordida por uma em Agosto. Não quero sequer pensar no que sofri, nas dores que senti e nos medicamentos que tive que tomar.
Beijinhos da mãe