Dada a minha vulnerabilidade ao tema, dou por mim a ler uma larga variedade de artigos de opinião e textos mais ou menos (na maioria das vezes, menos) científicos sobre a parentalidade. Estes textos e publicações dividem-se entre o sério e o trágico-cómico, na medida em que uns tentam assumir um tom didáctico e mais prático, enquanto outros tentam realçar os contornos cómicos de vidas por vezes dramáticas, de pais, em torno dos seus filhos. Na realidade penso que ambas as perspectivas são reais. Pelo menos no meu caso é o que sinto. Por isso não sei muito bem em que tom vai resultar esta minha tentativa de verbalização de sentimentos em torno do facto de... enfim... ser pai... de dois. Um deles, o primeiro, potencial filho único que acabou por não o ser, já não dá propriamente trabalho algum. Já deu. Os cinco anos passados dar-nos-iam (ao pai e à mãe) o relaxamento mais que merecido obtido através do regresso a situações da vida dita social, que o poderiam envolver mesmo nesta idade, sem qualquer espécie de transtorno para os pais onde novamente me incluo. Escrevo a última frase como mera hipótese, porque na realidade existe o segundo. O segundo, no topo do seu primeiro ano de vida, recheado de uma personalidade que nada tem a ver com o primeiro, teve o dom de nos retirar o nirvana quase alcançado, e lançar de novo no mundo das fraldas, da privação extrema de sono (como eu nunca achei ser possível um ser humano tolerar) e dos nervos em franja após a fase da ilusão em que “este se calhar vai ser diferente”. A realidade é que crianças são crianças. Seja em que fase da infância for. E estão cá porque nós assim o decidimos. Não concordo com a ideia de que somos 100% responsáveis pela sua personalidade, temperamento, feitio ou aquilo que for. Não podemos ver a evolução de um ser vivo à lupa de um microscópio, porque existe um infindável conjunto de elementos, factores e pequeníssimos acontecimentos que contribuem para a sua evolução, dos quais nem sequer nos apercebemos. A genética é um exemplo disso mesmo, quando a personalidade de um bebé é perceptível poucas horas depois de este nascer (experiência própria). Somos no entanto os principais responsáveis por gerir esses factores externos da melhor forma possível, com as ferramentas que temos ao nosso dispor. A questão é que a determinada altura damos por nós em guerra. Primeiro, guerreamos com os filhos, porque acabamos por ter a ideia peregrina que eles estão em guerra connosco, quando na realidade lutam por aprender a gerir os seus próprios sentimentos e emoções. Depois guerreamos entre nós, pais. O pai com a mãe porque isto... a mãe com o pai porque aquilo. Depois guerreamos com o nosso próprio ser. Porque eu não era assim... nunca fui... achei que nunca poderia ser... e agora sou. E não gosto. E não sei o que fazer para voltar a ser quem eu achava que era. Mas se calhar não era. E agora tenho de aprender a ser outra vez, mas de maneira diferente. Em todas estas fases que descrevo, e no meio de algo que sei que ainda não acabou e por isso não posso para já descrever, posso revelar um truque que para mim, e contra a minha própria natureza nervosa, tem vindo a funcionar: preocupar-me menos. Preocupar-me menos com o que pode acontecer, porque muito provavelmente não o poderei evitar. Deixar de sofrer por antecipação, ao pensar em todos os cenários possíveis e imaginários em que as coisas podem não correr bem, porque não sei de facto o que vai acontecer. Ou melhor, em que as coisas podem não acontecer como eu gostaria. E o segredo do meu truque está aqui mesmo. Se deixarmos de correr atrás das nossas expectativas de uma “vida normal”, percebemos que entretanto veio ter connosco uma “vida melhor”, porque na realidade são essas expectativas (na realidade muito pouco interessantes) que nos inibem de perceber que... estamos lá! São essas perspectivas egocêntricas de querer tanto fazer algo que pode até nem ser assim tão pertinente, que nos inibem de apreciar os etéreos momentos em que, em vez disso, acalmamos o choro de um bebé e ele encaixa a sua pequena cabecinha no nosso pescoço, por fim, em paz... que nos inibem de desmontar uma situação tendo a capacidade de provocar o riso e a gargalhada em vez de provocar o choro e a tristeza... que nos inibem de transformar a excitação infantil em cansaço natural e consequente paz e sossego, em vez de irritação e transtorno... que nos inibem de educar educada e educativamente em vez de simplesmente ralhar ou gritar... que nos inibem de perceber o que já temos, e que nem sequer estávamos à espera de alcançar. É difícil de perceber isto. Porque supostamente estamos em guerra. O problema é que nesta guerra, o nosso inimigo somos nós próprios. Eu pessoalmente, não sei se mais pela força do raciocínio e meditação, se do cansaço... já não quero lutar... prefiro a paz. E tenho duas pessoas em miniatura muito grandes, que com toda a certeza me vão ajudar a alcançá-la! Na realidade, já estão a ajudar, minuto a minuto. Pouco passa da meia noite e já tive de adormecer o mais novo duas vezes. Não faz mal... acabei de o deitar novamente e beijei-lhe a testa antes de o fazer. Boa noite a todos e, se por acaso e porque são férias os vossos filhos ainda não se deitaram, despeçam-se deles e digam-lhes o quanto os amam. Se já dormem, aconcheguem-lhes o lençol, dêem-lhes também um beijo na testa, e amanhã demonstrem-lhes de alguma forma o quanto os amam e o quanto eles são importantes. Afinal, se eles não estivessem cá nunca descobriríamos quem somos realmente e a nossa vida seria sem dúvida muito menos interessante.
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