sábado, novembro 25, 2017

Actuar e Cicatrizar - Parte II

Depois do que comentei aqui, chegou finalmente a altura de passar das palavras às ações. Foi o que fiz no passado fim-de-semana, levando a cabo a ação de solidariedade que coordenei juntamente com um grupo de amigos que partilham uma paixão comum: o motociclismo. A ação em questão foi para mim muito especial, pois relacionou-se com uma tragédia que se abateu sobre o nosso país, que me tocou diretamente, e da qual não havia memória.

O objetivo era contribuir para um dos municípios mais afetados pelos incêndios: Pampilhosa da Serra. Com a ajuda de 18 companheiros motards foi possível angariar um conjunto de bens cuja entrega seria feita "in loco", pela mão de 6 estarolas que abdicaram de um sábado e se dispuseram a fazer desta viagem a sua missão.

O local da recolha dos bens foi a loja de computadores de um dos companheiros do grupo - que é já ponto de encontro da praxe - onde na noite da véspera carregámos uma VW Caddy gentilmente cedida pelo meu tio, para levar a cabo esta viagem. Foi também o local da partida, onde nos reunimos na manhã seguinte, agrupando uma Yamaha Fazer 1000, uma Kawasaki Versys 1000, a minha recém reparada BMW F800R, e a Caddy, quiçá o veículo mais "rápido" desta viagem... :)


Dois dos elementos do grupo "sacrificaram-se" a ir de "enlatado", leia-se na Caddy. Após o carregamento e o atraso da praxe lá seguimos viagem. Mas como os pneus já estavam a ficar quadrados e um dos companheiros do enlatado já estava a fazer sangrar os ouvidos do outro de tanto falar, fizemos o primeiro "pit stop" para abastecimento em Santarém...


... e o segundo pouco depois das primeiras curvas do dia, já na Sertã, onde iríamos reunir com o sexto elemento da comitiva que vinha ter connosco de Leiria.


Arrancámos novamente a tentar acompanhar o ritmo estonteante da Caddy, que amiúde fazia de nós um ponto minúsculo no retrovisor... :)


Infelizmente aquilo que vinha pela nossa frente era um cenário cada vez mais escuro, curva após curva, que nos fazia sentir cada vez mais tristes por dentro. Para quem conhecia aquela zona em diferentes tons de verde, passado já algum tempo desde os incêndios, continua a ser uma visão que não deixa ninguém indiferente.



Percorridos mais uns quantos quilómetros em direção a Oleiros, seguindo depois em direção à Pampilhosa, finalmente chegámos ao nosso destino. Como estávamos um pouco atrasados em relação ao previsto, e os bombeiros que nos iriam receber estavam ainda a almoçar, resolvemos fazer o mesmo. Dirigimo-nos ao restaurante "A Caruma", onde tínhamos já lugar marcado.


Mal nos sentámos, uma lousa coberta de entradas esperava por nós, a qual atacámos de imediato. O menu já estava combinado e foi bem servido: sopa de legumes, lombo de porco assado com batatas a murro, sobremesas, bebidas e cafés. O elemento mais "conversador" preferiu a alheira, e o elemento mais "vegetariano", para compensar comeu só carumas de pinheiro.


Depois de ensinarmos um empregado de mesa a aquecer um balão de CRF, resolvemos voltar ao que nos movia e trazia ali. Reagrupámos à entrada e definimos o plano para o resto da tarde. Dirigimo-nos novamente ao quartel dos bombeiros, onde fomos recebidos pelo Rui que nos iria contar na primeira pessoa alguns episódios que se passaram durante o período mais recente do combate aos incêndios ali na zona.


Explicámos o que trazíamos, pelo que nos levaram até um dos armazéns onde fazem a recolha, que maioritariamente tem material de construção e cultivo. Enquanto esperavamos que nos abrissem o portão, ficámos todos boquiabertos quando, ao comentar que levavamos uma motosserra, o bombeiro desabafou connosco que a corporação não tinha nenhuma... nem 30 segundos depois o conversador de serviço tinha enfiado a motosserra que levávamos no carro dos bombeiros, atitude apoiada por todos nós, dizendo: "esta já não vai para mais lado nenhum".



Finalmente lá nos abriram a porta do armazém, onde iríamos descarregar a Caddy.


Em conversa com o responsável da câmara, o próprio referiu que preferiam que as pessoas doassem bens em vez de dinheiro, o que só veio confirmar que nos tínhamos organizado da forma certa. Ficámos ainda com a convicção de que os bens estavam efetivamente a ser distribuídos por quem deles necessita, e também confortados ao saber que têm existido doações bastante generosas, sobretudo ao nível de material para ajudar na reconstrução das habitações que foram consumidas pelas chamas (e que a reconstrução já está a acontecer para as primeiras habitações).


Depois de nos despedirmos dos nossos anfitriões, e uma vez que eu levava alguns recados da minha família (regar umas árvores recém plantadas e fechar um pipo), fizemos mais alguns quilómetros até à aldeia de Pescanseco Cimeiro. Passado mais de um mês, continuo a ter dificuldade em percorrer aquela estrada sem me emocionar...



Apesar da desertificação daquela terra, mal estacionámos surgiram logo algumas pessoas para nos cumprimentar. O Ti' Manuel... a Ti' Isaura... o Júlio... Oportunidade para mais uns dedos de conversa e para quem me acompanhava ficar a conhecer em primeira mão aquelas pessoas e aquela terra, que com as suas casas de xisto foi outrora digna de postais, mas que agora apresenta um cenário total de devastação.


Tratados os meus "recados" foi tempo de ir até à adega que sobreviveu às chamas, e abrir uma garrafa de Favaios que um dos companheiros fez o favor de levar consigo, para brindar a melhores dias. Por esta altura o Júlio já era o melhor amigo do conversador de serviço, e apesar da revolta que é ainda uma constante no seu discurso, fez o favor de nos acompanhar nesse brinde.


O sol começava a desaparecer, e o dia tinha sido bastante intenso, pelo que era tempo de regressar. Feitas as devidas despedidas seguimos viagem. Última paragem para abastecer na célebre Picha, onde comemos a bifana da praxe, enquanto começávamos a descomprimir e a "digerir" aquele dia, o que tínhamos feito... o que tínhamos visto.


Como já não havia muito mais curvas pela frente e a hora era adiantada, o resto da viagem foi feito em "fast forward". Despedimo-nos ali mesmo e seguimos também de regresso a Lisboa.

Sinceramente, aquilo que fizemos foi para mim particularmente especial. Poder contribuir com o pouco que seja para uma realidade que me é tão próxima, inserido num grupo de amigos como este, que se tem vindo a fortalecer, com pessoas que se conheceram simplesmente por partilharem um gosto comum... faz-me acreditar na humanidade. Foi um dia de "mixed feelings" com alguns momentos menos alegres, outros de orgulho e alguns de verdadeira emoção. Um grande bem haja a todos os que se disponibilizaram para ajudar de alguma forma, e um abraço especial aos 5 malucos que me acompanharam neste dia e nestes cerca de 500 kms. Um grande abraço e um grande bem haja a todos. É um privilégio conhecer-vos e ser vosso amigo.

2 comentários:

mãe disse...

Como eu te compreendo filho.
Infelizmente os dias vão passando as idas lá também vão acontecendo, por vários motivos (e não têm sido pelos melhores) e a tristeza ao olhar para tudo aquilo é cada vez maior.
Não se tem forma de ir minimizando o nosso sofrimento, antes pelo contrário.
Beijinho da mãe

Unknown disse...

POR MIM, POR TI, PELOS TEUS AMIGOS, POR TODOS (OU QUASE)... BEM HAJAM. DEUS (O MEU OU O VOSSO) VOS RECOMPENSE!

Fiquei encantado por ver uma CADDY, com algum natural reumático, a dar baile a MOTÕES...kkkk!