terça-feira, novembro 01, 2011
De Mãos Atadas
Nos últimos dias tenho reflectido muito sobre a cultura em torno do trabalho, que vivemos nos dias de hoje. A primeira constatação óbvia é que a evolução - dita a bem do conforto, modernização e automatização de tarefas - que tem acontecido nos últimos anos, em vez de contribuir para todos os aspectos mencionados anteriormente, tem o efeito precisamente oposto. Na parte de conforto, bem-estar ou qualidade de vida, o resultado é mau: arranjámos forma de poder levar o trabalho para todo o lado (smartphones, laptops, etc.), em vez de o deixar no respectivo local ao final do dia. Na parte da modernização, o resultado é infrutífero: basicamente geramos trabalho à volta de trabalho, isto é, se anteriormente processos mais "artesanais" tinham de ser executados para levar uma tarefa a cabo, agora temos processos para gerir processos que por sua vez gerem outros processos, sendo que a tarefa em si e o resultado final constituem menos de 10% do esforço envolvido. Na parte da automatização, o resultado é irrelevante: uma vez que cada vez mais processos e tarefas necessitam ser levados a cabo antes de atingir um fim, por mais que os mesmos sejam automatizados vão sempre surgir outros que - até serem eles próprios automatizados - vão exigir um esforço manual. E no fim da linha, quando tudo é moderno e automático, o ser humano pode ser excluído dando lugar ao negócio que apelido habitualmente de "máquina de fazer chouriços" (entra porco de um lado, sai enchido do outro). Pessoalmente, dia após dia, chego a casa com a sensação de que corri o dia inteiro e não cheguei a lado nenhum. Hoje é feríado... tinha intenção de passar um dia calmo com a minha família... Na prática? Atendi o primeiro telefonema profissional por volta das 11h, o último dos vários que entretanto atendi foi às 15h, já troquei mais de 10 emails... Resumindo: estou a ignorar a minha família para poder trabalhar durante um feriado, numa semana de férias que cancelei. Algo está errado: eu! Ainda não descobri/decidi o que vou fazer em relação a isto, mas alguma coisa vou certamente ter de fazer... ai isso vou!
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1 comentário:
Há um texto de Bertold Brecht em que a ideia expressa é mais ou menos isto: " ...enquanto foi com os outros fui olhando para o lado até que, quando dei por isso, já era comigo e já não pude fazer o que quer que fosse...". A verdade é que, em dada altura, nos deixámos ultrapassar por uma geração que ficou designada pela geração yupie, em que cada um queria mostrar que valia mais do que o seu parceiro, sendo que o parceiro, por sua vez pretendia mostrar que afinal era ele que valia mais, numa onda crescente de agressividade a que se determinou chamar competitividade, sem pensar que, quem daí tirava proveito eram as chefias e as entidades patronais, as quais apercebendo-se do filão, procuraram estimular essa "guerra" alimentando-a também com designações como produtividade, alcance de objectivos, mercado do desemprego. A verdade é que esse tipo de funcionamento tornou-se regra e quem não embarcar nesse comboio é rejeitado, a menos que consiga criar alternativas, que na generalidade dos casos conhecidos passa pelo abandono da chamada civilização e do tipo de conforto a que damos valor nas nossas vidinhas. No mundo em que vivemos, essa "competitividade" é valorizada por quem manda, até às raias do "canibalismo" em detrimento da busca da paz e da tranquilidade que deveriam nortear a vivência dos seres vivos, porém aqui e ali vão ainda surgindo exemplos marginais do que é possível fazer com alguma imaginação, tirando partido da capacidade inventiva do ser pensante e desenrascado que existe em cada um de nós...
É óbvio que esses casos, são mesmo considerados marginais: Ainda ontem passou na tv uma notícia de um casal francês que se instalou numa terreola qualquer, lá para o norte, que criou um sistema de recolha de água de uma nascente, aquecida por um colector solar; o frigorífico é um buraco no chão, revestido a barro. Fazem a reciclagem dos dejectos para utilização futura como fertilizante... Construíram uma casa em madeira, o que de algum modo lhes retira a condição de nómadas, mas lá que pareciam, pareciam. Enfim, opções que os leva a achar que são felizes.
Em "O DESPERTAR DOS MÀGICOS de Louis Pawels" há uma pequena história relativa ao pai do autor, um alfaiate, que refere a completa tranquilidade da pessoa em questão não por uma resignação às agruras que lhe eram impostas pelas contingências da vida, mas antes pela aceitação filosófica de que todos os momentos podem constituir uma eterna e permanente aprendizagem para o que ainda está por vir: o hoje constitui a preparação para o amanhã e a verdade é que se atentarmos conscientemente nas capacidades que desenvolvemos no dia a dia só nos podemos considerar verdadeiramente maravilhados pelo facto de conseguirmos sempre ultrapassar-nos a nós próprios, de forma a conseguirmos sentir-nos cada vez mais próximos da pedra filosofal que o alquimista que existe em cada um de nós na solidão do seu eu, procura alcançar a cada momento...
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